17 de fevereiro de 2016

Da vizinhança

Dizem que daquilo que somos, naquilo que nos tornámos, muito fomos beber à vizinhança.
Acredito muito nisso, e estou convicta, absolutamente convicta, que as minhas parcas e esdrúxulas maneiras me ficaram sobretudo disso mesmo: da má vizinhança.
Ahh, mas isso é tão natural como a tua sede. Não, não é. Ter má vizinhança não é cliché, e posso provar. Olhem com atenção para a malta que vive ali no Padrão dos Descobrimentos: a Inclita Geração.
No meu prédio não fomos inclitos, fomos proscritos.
Do primeiro ao último andar.
Mas a culpa nunca foi minha.

Sem maneiras.
Quando os meus pais levantaram a cabeça e pudemos desenlodar a vida, fomos morar para um prédio de 8 andares, com inquilinos selecionados. Juízes, Veterinários, Professores, Advogados e Engenheiros, e o meu pai, com letra pequena na profissão, mas com um olhar tão sexy que arrasou com a gaja da imobiliária, que entretanto também se mudou lá para o prédio...
Bom.
Um monte de estudantes acabadinhos de chegar à faculdade, os filhos inclitos desta geração de letrados, cheios de testosterona na veia, alugavam os quartos a estudantes e faziam, nos tempos áureos do meu bairro, festas diárias de endoidecer qualquer condómino.
De tudo se fazia a festa, tudo servia para brindar. E estudar?
Naqueles tempos ninguém diria que um chegaria a padre, um outro se tornasse um psicólogo melhor que o Quintino Aires, e o mais barulhento deles todos a cirurgião. Eu própria estava convencida que qualquer um deles iria bater mais cedo ou mais tarde com os costados à choldra, não por serem criminosos ou andarem à chinchada, mas por excesso de denuncias (muito pouco) caluniosas, motivadas pelos distúrbios sui géneris que os estudantes inclitos, tanto no interior da "habitação" como nos arrabaldes do edifício, faziam sem parar.
Para terem, caros leitores, uma (vaga) ideia da confusão que lá amanhavam, faziam acontecer coisas como nenhum prédio ainda viu: incendiavam a cozinha, inundavam a casa de banho, faziam cair os armários apinhados de loiçaria da sala, partiam o aquário, inundavam o hall, partiam a sanita. 
E dizia-se que desta geração proscrita: nenhum chegará a doutor.
Sem maneiras.
Arranjando um jeito.
E eu lá dentro, vivendo aquilo tudo.

Era assim que se estudava em Lisboa, diriam os mais liberais.
Era assim que se vivia Lisboa, diria eu.
Por isso, quando na passada 6ª feira me reencontrei com um dos protagonistas desta casa, um ilustre cidadão do mundo, amigo maior e dos quatro costados desta Uva que Passa, brindámos muitos e muitos copos, porque na dúvida sobre o que nos espera o futuro, na inclita incerteza dos passos que tomamos, uma coisa é certa: bebamos à vizinhança, bebamos a vizinhança, e seremos sempre felizes.

Foi um enorme prazer voltar a ver-te e beber-te.
Somos Uvas no cacho dos dias.  
Somos 100 maneiras, proscritos ou inclitos.
Somos AMIGOS.
Somos vizinhos.


Restaurante-Bar 100 Maneiras -Lisboa

Foi o melhor que nos aconteceu naqueles dias, querido D. 
Caíram-nos os livros na cabeça, sem jeito nem maneira, mas sempre aprendemos alguma coisa...

3 comentários:

  1. Adorei o texto...trouxe-me tantas memórias.

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    1. São as melhores, estas que nos ficaram da juventude eterna.

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  2. Belas recordações as do tempo de estudante. Bebemos sim da vizinhança :)

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