Parecia-me óbvio que com o caminhar da idade, o mais um dia-menos um dia no cronograma da minha vida, me faria relativizar as fúrias ao invés de ficar com os maremotos dentro do peito.
Falo naturalmente das coisas más que me fizeram, claro, a mim e aos meus, vivos e mortos, as coisas imperdoáveis que tingem de negro o meu passado e ainda assim, por mais lixívia mental que possa ter uma miúda liberal como eu, continuam a desbotar as águas passantes.
Acho que aquilo que mais falta me faz, agora, é sair da água suja e secar as lágrimas. Mas não sou capaz. Às vezes, vejam lá a desgraça, ponho-me muito atenta a ler aquelas frases que nos escreve o Universo, aquelas frases de apoio moral, os sermões que pessoas muito puras, como a água cristalina, partilham nas redes sociais, o perdão, o amor infinito, a alvura dos sentimentos, os conselhos amantíssimos sobre como deixar no caminho as pedras todas que te moeram os ossos e rasgaram a pele.
De nada me servem. Estou marreca. E tingida.
Isto agora vem-me em marés.
Horas nisto.
Ora encho de água os meus olhos, tristes, uma enchente de más recordações, de porquês, aflições, e depois, farta de estar para ali a manter-me à tona, desamarro as tristezas e afundo-me na vazante.
Quando no início eram só as ondas.
Elevavam-se enormes, mas depois, nada. Engolidas no mar da vida. Idas. Sem história.
Mas isto agora vem-me em marés.
E eu afundada nisto. De não conseguir perdoar para seguir em frente, de não conseguir parar a maré, suster para sempre a preia-mar, e quedar-me na calmaria.
Artista em vidro: Paul DeSomma and Marsha Blaker
para mim
ResponderEliminarcarlos ramos deixou um novo comentário na sua mensagem "Das ondas da Nazaré e outras marés":
...posso não deixar comentário, mas sou visita permanente pelo gosto de gostar daquilo que partilha. Outro belíssimo texto, emocionado.
Tive que lutar duramente, para vir à tona do êxtase de ler algo tão lindo e profundo.
ResponderEliminarPara já, belas fotos! Belo objecto, boa analogia.
ResponderEliminarSe só agora no avançar da idade lhe incomodam as marés está com alguma sorte. Tê-las bem cedo não recomendo. Mas tudo o que dizem sobre as mesmas não deverem engolir grande parte da vida é verdade. Contudo, sem elas não conseguiríamos enxergar as coisas que não estamos a querer enxergar. O seu cérebro está a querer indicar-lhe algo. Algo que lhe escapou este tempo todo.
É bom que haja marés, Uva. Um mar sempre tranquilo entedia.
ResponderEliminarBeijos :)