6 de julho de 2016

Do aborrecimento (ou da ironia?)

" Pois não era verdade que um homem devia, pelo contrário, conhecer tudo, ser expedito em atividades multiplas, iniciar uma mulher nas energias da paixão, nos refinamentos da vida, em todos os mistérios? Mas aquele não ensinava nada, não sabia nada, não desejava nada. Julgava-a feliz; e ela ressentia-se daquela calma tão permanente, aquela gravidade serena, até da felicidade que ela própria lhe proporcionava." 

Gustave Flaubert, in Madame Bovary

Em 1856, Flaubert, um homem do tempo em que a imoralidade ainda sentava os escritores na cadeira dos réus, escreveu este pedacinho de texto, que veio a ser impresso na página 58 de um livro que comprei em Lisboa, 160 anos depois.
E que atual meus senhores.
Pois não é verdade que a emancipação das mulheres, o nível de instrução, a energia que resulta da capacidade de ser tantas numa só, a luta pela independência, também dos filhos, a preocupação com os pais, com a casa, as prestações, a depilação, as férias, as cabras das colegas, o mestrado tardio, quiçá uma gravidez idosa, os mil braços e pernas, um coração grande e assassino (se isso não comprometer a beleza), deixou a ala masculina aborrecida, mole e tristonha?
Que é feito dos cavaleiros, ou como cantava Paula Cove "Where Have All the Cowboys Gone"

I will do the laundry
If you pay all the bills
Where is my John Wayne
Where is my prairie song
Where is my happy ending
Where have all the cowboys gone

Não são, no entanto, os homens de agora mais felizes, libertos das tarefas que nunca assumiram por completo, e também das outras que iam fazendo por obrigação?

14 comentários:

  1. Não sejas mázinha,Uva! Ainda há cavalheiros. O problema é que não os queremos à moda antiga! ;)

    Beijocas :)

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    1. Mas se não é dos cavalheiros que elas gostam mais...

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  2. Bom,

    Cada caso é uma caso e cada casa a mesma coisa, se tivéssemos em 1970, 80 ok, mas agora é um pouco diferente, ganhou-se numas perdeu-se noutras, se calhar até à homens e mulheres baralhado/as com isso da emancipação e à outros que em 1856 ou em 2016 podem estar sempre actuais, mas aquilo que escreve nem toda a senhora tem paciência para o homem que "conhecer tudo, ser expedito em actividades múltiplas, iniciar uma mulher nas energias da paixão, nos refinamentos da vida, em todos os mistérios?"
    E ainda há quem não queira mestrados ou gravidez idosas, mas mantenha tudo o resto

    E não me sinto mais liberto, basta olhar para o passado para ver e saber que não se passa isso comigo, mas ei como abri o texto, repito Cada caso é uma caso e cada casa é uma casa e sei dalguns outros casos similares, mas também sei do contrário, tal como em 1970, 80 e 90...

    já eu gosto desta, https://www.youtube.com/watch?v=tCBiQcdTR8A

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    1. Cada casa uma balburdia. ;)
      Na minha casa o V. sente-se liberto de coisas que antigamente os homens faziam, mas também me liberta a mim de coisas que eram as mulheres que faziam.
      Ele é feliz e eu julgo que também sou (já se sabe que as mulheres são mais difíceis de contentar.

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    2. Fez-me rir...
      e acho que assim é que deve ser, uma união e não obrigações...
      ahahah o que me ri outra vez, não sei se já tinha dito, welcome back.
      se sei, se sei...

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  3. Pois eu venho por aqui fora a navegar pelos rios de tinta (ok, não há tinta metida nisto, mas assim fica mais giro) que por aqui já correm como no tempo em que descobri esta Uva inquieta, que é desassossegada e desassossega e fui pensando coisas pelo caminho e agora chego a este post e quero dizer olá e ainda bem que voltaste.
    Este post merece que venham cá os senhores dizer de sua justiça, assim como o Urso Misha já fez. Mas para não dizeres que vou embora calada sobre este assunto, digo-te que sempre gostei de cavalheiros despertos para a vida e que aos maus rapazes sempre me deu mais vontade de dar-lhes uns tabefes. Também gostava dos cowboys, nos filmes, quando achava que quando eram maus rapazes era só para disfarçar, matassem eles algum índio e estavam tramados comigo.

    Abraço, Uva.

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    1. Voltei cheia de genica. Ahh pois!
      Os senhores têm medo de dizer que estão aborrecidos, enfadonhos e qualquer dia sem nada para fazer... hahahahaha
      O Misha é um Cowboy dos antigos!!!

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    2. Essa é uma boa, pois já estava à muito tempo sem escrever e gosto de passar por aqui e pôr-me a ler...
      Tenho dias que estou aborrecido e leio um livro, ou brinco com a pequena e alegra-me o dia, mas posso continuar aborrecido e soa a aborrecido ser todos os dias feliz, cheio de coisas para fazer e projectos e ideias, soa-me a falso, mas isso sou eu que tenho visão curta e sou muito sucinto e prático, dizem vários "especialistas"...
      Isso é um elogio!? acho que sim, até tenho medo, gosto de Cash, não gosto de Wayne, cowboy de dentes brancos não me convence, um Clint ok. um cowboy, troca fraldas, dá banho à menina, ensina matemática EM e PT à criança, faz comer, aspira a casa, sim pago refeições, sim ofereço "coisas", sim às vezes dá para poesias e abrir portas e outras situações que tais.
      não vejo mal nenhum em emancipações, nem em ficar por cima nem por baixo e se elas querem ficar por cima, corta-se o barato, só porque sim... se a mulher der uma ideia, qual o problema... a mim faz-me espécie os "men's" o resto de tarde/noite em tascas/cafés por exemplo, faz-me espécie mulheres sem opinião e que não querem ter e que não querem ser mais cultas, leiam russos, ou abrem a mentalidade para o mundo, que isso de ser mulher não vem com tudo o que descreves-te, conheço de perto casos (bem) diferentes...
      epah grande testamento... desculpem qualquer coisinha...

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    3. Tu escreve Misha. Se há coisinha que gosto é de ler!
      Esses homens da tasca, um dia a Mãe Preocupada fez um post muito maravilhoso sobre eles. Gostava de ter sido eu a escrevê-lo, sobre os barrigudos, acho que de cerveja, que me ficou para sempre.

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    4. não li, mas deve lindo, há teorias que podem sair dali... upa, upa

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  4. Eu cá acho que ainda há aí muito homem ofendido por essa emancipação, e não estou a escrever nenhuma novidade aqui. É que eles adoram conhecer uma mulher "forte e independente", mas com moderação. Para muita gente as coisas ainda são incompatíveis. A mim dá-me um bocadinho de comichão, mas cá vamos andando..

    Quanto ao Flaubert, já recomecei "Madame Bovary" uma data de vezes. Não sei como é que ainda não arrastei até ao fim.

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    1. Os homens que não andam ofendidos com tanta energia feminina, andam contentes da vida, pois se além de tudo ainda tomam para si as sua tarefas, quero dizer, aquelas cousas que só aos homens cabiam, como sendo por exemplo meter o dinheiro grosso em casa, tratar de ficar por cima, e isso assim.

      Eu um dia tive uma conversa com uma amiga e até lhe disse: olha, essa coisas de as mulheres querem ficar por cima, contrariando a posição de missionário, é uma prova de que os homens que até gostam estão aborrecidos, que nem dar ao rabo já querem...

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  5. Às vezes parece-me que os homens é que emanciparam... das responsabilidades todas.

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  6. Desta vez não concordo Uva, ou então arranjei um cavalheiro que ainda por cima partilha as tarefas todas comigo. acho que o domestiquei bem :))

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