1 de julho de 2016

Que bonitinho

Uma das pessoas que mais admiro nisto dos blogs é simultâneamente a miúda que melhor domina a difícil técnica literária 'fluxo de consciência', e a que me deixou o comentário mais desassossegado quando resolvi atirar-me do comboio.
Dizia ela que sou das pessoas que têm coisas a dizer ao mundo e que por isso não me deveria calar.
Concordo. Se tenho coisas para dizer a minha urgência é dizê-las, mas assim sendo o que fazer às horas e horas, ao tempo e tempo de meditação e reflexão que me levaram sempre à mesma conclusão? Se quem mantém em cativeiro todos os seus juízos é o mais inteligente, então devo entregar-me à mediocridade? Ou devo antes lançar-me aos leões e desatar a ajuizar como se não houvesse amanhã?
É este o colossal problema que referia dois posts mais abaixo.
Parece-me óbvio que somos todos medíocres porque apesar de sermos muito sensíveis às opiniões desbragadas dos outros, não dispensamos uma boa alfinetada vodu.
Que se lixe. Isto não é nenhum concurso de QI e vou seguir em frente com as letras, aventurando-me no tema que não fui capaz de exprimir na rede social da família, onde pretendo manter uma aura mítica de supra inteligência.
Se é que me faço entender.

Então é isto: o que é que deu nas mãezinhas para desatarem a postar as notas da miudagem no Facebook? É alguma promessa que fizeram a N.ª (Vossa) Senhora de Fátima?, aos peixinhos do Padre António Vieira?, é uma espécie de medalha pela vossa própria mediocridade enquanto estudantes, que faziam de tudo para esconder essas mesmas notas de toda a gente?, é para dizerem ao mundo que têm ali um carro desportivo cheio de cavalos na cabeça? é para humilharem os que têm filhos com dificuldades de aprendizagem?, é porque são gordas, magras, divorciadas ou mal casadas mas os vossos filhos conseguiram ultrapassar esse pequeno pormenor e ainda vos enchem o coração de orgulho? é um troféu que só a eles (e só a eles) interessa mas como são vossos filhos podem tudo até usurpar-lhe o mérito como se ele fosse vosso?
O que é não sei, mas é feio, feio, feio, e é estúpido, é sinistro, é aberrante, é pior do que dizer na cara de uma gorda que a acha um bocadinho mais gorda, é mais violento do que dar uma chapada na cara do filho no dia dos anos, à frente de todos os amigos que vieram para a festa.

Peço desculpa por não conseguir guardar mais tempo este esdrúxulo pensamento, peço desculpa por não ter guardado para mim este juízo, esta moral, mas JE SUIS NIILISTA, para mim, como para Nietzsche, "a moral não tem importância e os valores morais não têm qualquer validade, só são úteis ou inúteis consoante a situação".


E vou mais longe abusando do filósofo.
Quanto mais me elevo, menor eu pareço aos olhos de quem não sabe voar.

9 comentários:

  1. Não sei se compreendo bem essa moral. As pessoas partilham coisas nos facebook. O que estão a comer, onde estão, os sapatos novos, o hotel, o cão e o gato, os momentos com os amigos, as músicas que ouvem, a capa do livro do livro que estão a ler, ad infinitum. Pode-se argumentar com muita razão que partilhar coisas no facebook é estúpido, mas é isso, no geral, que as pessoas fazem. Ora, se partilham os sapatos novos porque não podem partilhar as notas dos filhos? É mais bizarro partilhar as notas dos filhos do que os sapatos que trazem calçados? Não me parece. Será defensável que antes de partilhar as notas do filho um pai orgulhoso tenha a obrigação de pensar nos pais de todas as crianças com más notas? Também não me parece.
    Em suma, assumindo que a partilha de coisas no facebook, em geral, é estúpida, mas sendo certo que é para isso que serve o facebook, parece-me que partilhar as notas dos filhos é basicamente o mesmo que partilhar a sobremesa que se vai comer a seguir.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A moral não tem importância nenhuma, como disse no post, porque precisamente ninguém tem moral nenhuma. Fazem coisas que para uns é falta de moral e para outras não, conforme as situações. Daí eu afirmar que sou niilista.
      Acho que postar a sobremesa, os sapatos ou a roupa não tem nada a ver com o mostrar com soberba a notas dos garotos, exibindo-os como troféus. Eu posto as minhas voltas de bike, posto os kilometros que faço, mas não posto a folha de vencimento do meu marido. A minha filha postará se quiser os feitos e os conseguimentos dela, eu não o farei. A menina é minha filha mas as notas delas escarrapachadas no Facebook são uma violação da sua privacidade académica. Eu entendo o que dizes, que hoje em dia é tudo permitido, que tudo é natural. Mas não é. O orgulho não pode ser usurpado por terceiros, o orgulho é um sentimento próprio, é um sentimento do ego, não é natural ter orgulho em coisas que não são nossas.
      Mas enfim, o pensamento é exdruxulo. Eu avisei.
      Tu sabes que eu abomino que as mães usem os filhos publicamente como troféus, mesmo que o façam inocentemente. Mostrar os 4 e os 5 é no fundo uma soberba, e um exibicionismo que me dá nos nervos.
      Mas é como disse, eu não tenho moral, só tenho esta opinião.
      E se calhar estou errada.

      Eliminar
  2. Uva, e quem diz FB diz blogues. Por exemplo, vais dar uma volta de bicicleta e no dia seguinte está a partilhar no blogue os trilhos e até os tralhos que deste :)...os livros novos que adquiriste na Feira do Livro...as fotos da exposição que visitaste e adoraste...
    Porque não as notas do filho!?
    Concordo inteiramente com a opinião da Cuca. E acrescento, cada um que partilhe o que bem entender - cada um sabe de si.
    Beijinhos e bom fim-de-semana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá miúda! Olha Te, tenho uma opinião mesmo diferente desta tua. Uma coisa é eu postar coisas minhas, outra é mostrar coisas da minha filha. Uma coisa é uma coisas, outra coisa é outra coisa. E para rematar digo isto: as crianças precisam de ser protegidas, não de ser mostradas, as crianças precisam de ser felizes, não de ser as melhores. Bom fim de semana Te, que bom voltar a ver-te!

      Eliminar
  3. Concordo completamente com a uva. Diz muito sobre os pais. Filhos com tão boas notas e pais com tão fracas cabeças. Continue sempre a escrever. Paula

    ResponderEliminar
  4. É ridículo. No entanto, a meu ver, há dois tipos.
    1 - Truman show. Metem tudo nas redes sociais, vida em directo. Pq não isso.
    2 - não têm por habito publicar muitas coisas, mas publicam isso.pura cagança.

    ResponderEliminar
  5. Sinceramente? Vejo isso como só mais um too much information. É privado, assim como as fotografias deles na retrete deveriam se privadas e o sítio onde moram. Não acho pior ou melhor que qualquer outra partilha...

    ResponderEliminar
  6. Uva, não sei se acreditas, mas só há pouco vi que me dirigiste aquelas palavras grandes ali em cima; tenho vindo cá ler-te aos poucos, um post antes do jantar e outro depois, e aquelas palavras foi depois e olha... caramba, agradeço-te, Uva, muito muito, e fico tão satisfeita por o meu tal comentário te ter feito eco. Andei dias e dias a ponderar se te enviava mail ou se te deixava comentário nesse post em que saltas do comboio, acabei por fazer o que viste.
    Um abraço apertado, Uva. O resto acho que já disse no comentário que fiz hoje antes de ler este post. (sim, não sou muito organizada)

    (e para o ano há mais Feira do Livro :-))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não me agradeças, quando sou eu que te devo.

      Sim haverá. Espero por esse grande dia. :)))

      Eliminar