2 de maio de 2017

AH, LÚCIO...

"Tu bem sabes. Estou coberto de cicatrizes: no corpo, do ferro dos bárbaros; na alma, das incompreensões e desconsiderações dos romanos; na fazenda, de gastos abundantes, generosos e, por vezes tão mal entendidos... estou triste, amigos, estou desiludido, caminho para a velhice."

Mário de Carvalho, "Um deus passeando sobre a brisa da tarde", pág 43.

Este é Pôncio. 
Não pensem vocês que Pôncio é um enjeitado qualquer, um velho de folha caduca, um caminhante tudo-nada indignado com a vida, pedinchão de misericórdia.  
Não.
Os Pôncios da vida, quando atormentados pelo tanto que fizeram, mal ou bem, tendem para a coitadice e para a pedinchice. Mas são ainda, além de tudo, escravos de si, das suas demandas, das suas decisões, e teimam, porque teimam, em perscrutar quem ainda lhes oiça as palavras. 
É preciso dar a volta ao espírito maligno da preguiça, para que Pôncio volte a ser Pôncio, para que Pôncio volte a subir as escadas erodidas e que, acenando e sorrindo, percorra novamente aquele que foi um caminho benfezejo, apesar da estrada escalavrada.

Pôncio saberá fazer tudo de novo como um bom calceteiro, porque Pôncio (agora) sabe que mesmo coberto de cicatrizes, é preciso deixar tudo escrito, antes que 'sobrevenha o esquecimento'.  

Este é Pôncio.
Esta sou eu.

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