Foi ao final da manhã.
Tinha ainda o cabelo molhado.
Pessoas incertas, cujas caras não recordo, talvez três ou quatro, todas mulheres, despiram-me, lavaram-me, e levaram-me.
O que passou?
O que passou?
As bocas fechadas, sem palavras, sem respostas, às perguntas urgentes dos meus olhos, inchados, perdidos, nas duvidas e no desgosto de não saber, ali, de nada.
Não me lembro o que me vestiram, nem o tempo que demorei a chegar.
Não vi o caminho, nem percebi o tempo. Com os olhos perdidos na janela, vi passar a rua, como se subitamente viajasse num vagão solitário, sem portas, silencioso, oprimido, só eu, cheia de medo, de ansiedade, de frio e terror.
Parámos.
Saíram do carro pessoas incertas. Graves.
Na rua, um mar de gente sem rosto, curvadas, algumas desenhando com as pontas dos pés riscos poeirentos na terra, outras olhando, espiando, sussurrando o que sabiam e não me queriam contar, e ainda outras que choravam para fora o que eu já chorava, há muito, para dentro.
Não sei se cambaleei, ou se tinha em mim uma incerteza pungente, que me despia a força de caminhar.
O prédio alto, que tantas vezes foi nossa testemunha, surgiu-me em frente. Alguém segurava a porta pesada.
Entrei no cubículo apertado e deprimido do elevador. Vi-me? no espelho.
O cabelo molhado que descia pelas costas quentes, fazia-me frio.
O elevador subiu trôpego. O coração descontrolado latejava, batia, gritava, na cabeça e no peito e nos ouvidos. Os meus dentes cerrados faziam tanta força que quase os partia.
A boca contraída e seca, testemunhava uma língua raspando frenética nos dentes de baixo, para a direita e para a esquerda, sem parar.
Não sabia já onde estava quando parei. Tensa e hirta, virei as costas ao espelho e saí para a escada fria.
O som do meu coração envolveu o espaço que me separava da porta.
Dei três passos lentos e mecânicos. Olhei as paredes pejadas de pequeninas pedras brilhantes e apertei-me num abraço.
Vozes baixas e o arrastar de cadeiras despertaram-me levemente. Não dei mais um passo.
Petrifico ali, como se a distância que me separava daquela porta, pudesse devolver-me aquilo que não sabia ainda perdido.
Subitamente a porta abre-se. Um halo amarelo junta-se a mim, um cheiro a madeira doce, e os estores ao fundo fechados, tentando afugentar a luz, desprendem-se da imagem.
Uma figura parada, que se encosta levemente ao umbral, olha-me, de mão esquerda ao peito, agarrando a vida num lenço molhado.
Foi ao final da manhã.
Tinha ainda nas costas quentes, o cabelo molhado, os olhos molhados, e a cabeça perdida.
Às vezes penso em ti, como hoje, porque o tempo passou, mas entre nós ficou esta porta aberta...
De saudades.
Não sei se cambaleei, ou se tinha em mim uma incerteza pungente, que me despia a força de caminhar.
O prédio alto, que tantas vezes foi nossa testemunha, surgiu-me em frente. Alguém segurava a porta pesada.
Entrei no cubículo apertado e deprimido do elevador. Vi-me? no espelho.
O cabelo molhado que descia pelas costas quentes, fazia-me frio.
O elevador subiu trôpego. O coração descontrolado latejava, batia, gritava, na cabeça e no peito e nos ouvidos. Os meus dentes cerrados faziam tanta força que quase os partia.
A boca contraída e seca, testemunhava uma língua raspando frenética nos dentes de baixo, para a direita e para a esquerda, sem parar.
Não sabia já onde estava quando parei. Tensa e hirta, virei as costas ao espelho e saí para a escada fria.
O som do meu coração envolveu o espaço que me separava da porta.
Dei três passos lentos e mecânicos. Olhei as paredes pejadas de pequeninas pedras brilhantes e apertei-me num abraço.
Vozes baixas e o arrastar de cadeiras despertaram-me levemente. Não dei mais um passo.
Petrifico ali, como se a distância que me separava daquela porta, pudesse devolver-me aquilo que não sabia ainda perdido.
Subitamente a porta abre-se. Um halo amarelo junta-se a mim, um cheiro a madeira doce, e os estores ao fundo fechados, tentando afugentar a luz, desprendem-se da imagem.
Uma figura parada, que se encosta levemente ao umbral, olha-me, de mão esquerda ao peito, agarrando a vida num lenço molhado.
Foi ao final da manhã.
Tinha ainda nas costas quentes, o cabelo molhado, os olhos molhados, e a cabeça perdida.
Às vezes penso em ti, como hoje, porque o tempo passou, mas entre nós ficou esta porta aberta...
De saudades.
"Eu sei meu amor,
que não chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estás sempre
comigo."
Barco Negro, David Mourão-Ferreira, 1954
Nunca se chega a partir se ficamos no coração de alguém!
ResponderEliminarAbraço apertado, Uvinha! :)
Obrigada Maria. Abraços a rodos! Muitos.
Eliminar:(
ResponderEliminarNão há um único dia que não me recorde desse dia e dessa sensação infernal.
Aquele dia em que eu saí de um carro de 2 lugares, vinda de algures onde a alegria reinava e abundava.
Aquele início de manhã malfadado em que coloquei os pés descalços no alcatrão a ferver, a pronunciar um dia de horripilante calor abrasador.
Saudade.
Esse triste fado do qual padece o português sonhador. Esse sentimento que se transforma em chama ardente que nunca se apaga.
Esse sentimento que não desaparece. Nunca.
E ainda bem que assim é. O que seríamos neste mundo desconhecido, sem a saudade e as lembranças?
:)
Um beijo e um abraço apertado. De saudade.
14 anos... e tempo voa.
EliminarAté me arrepiei...
ResponderEliminarFoi um momento bastante doloroso. O pior da minha vida.
Eliminar