13 de setembro de 2014

Isabel Jonet é profissional da consciência.

Não sei porque perco o meu tempo na difícil tarefa de compreender certas pessoas.
Talvez a esperança na humanidade ainda não se tenha apagado, como a vela do alpendre.
A generalização que algumas pessoas fazem sobre certos temas, neste caso a pobreza, nunca dão resto zero e eu, incapaz  de explicar matematicamente que nem sempre dois mais dois são obrigatoriamente quatro, porque na vida real dois mais dois podem ser somente três, porque um está desempregado, é dependente, ou está ausente, ou porque na soma há sempre um que se demite, mas à mesma existe, mas é diminuído, prova que socialmente não há regras infalíveis, não há certezas absolutas, e que na prova dos nove, há sempre mais do que um resultado.
Quando alguém que nasce pobre e se aproveita da sua condição para usufruir, inteligentemente, dessa condição, não quer dizer que todos os pobres o façam da mesma forma, não quer dizer que todos os que experimentam a triste realidade da pobreza sejam profissionais ao ponto de preferir a pobreza à vida honesta do trabalho.
Não.
Mas alguns, parafraseando alguém que não conheci, são monges à custa do hábito, e se de todo consideram a religião o centro da sua vida, têm antes  uma fé, uma certeza, de que a sua condição de pobreza não é um fim em si mesmo, e sabem aproveitar aquilo que essa pobreza lhes dá.
Referi, e fui totalmente incompreendida, que nunca a pobreza deu tanto dinheiro.
Mas logo vozes mais alto se levantaram, vozes que veem somente a floresta e nunca a árvore, vozes que tomam a parte pelo todo.
Não querem acreditar que possa haver pessoas que são efetivamente profissionais da pobreza, não porque escolheram ser pobres, não porque gostam de ser pobres, mas porque perante a situação de pobreza da qual dificilmente conseguem sair, sabem aproveitar, como aproveitam os ricos a sua condição de ricos, o melhor daquele mundo.
Quando a Isabel Jonet diz que há profissionais da pobreza em Portugal, eu não entendo, porquanto sou eu própria e profissionalmente, profissional da pobreza, que a Isabel Jonet deprecie o pobre e o coloque sobre a sola do seu sapato, acusando-o como culpado da sua condição, mas compreendo que o que ela tenta alertar é que há efetivamente pessoas que preferem o estatuto, muitas vezes falso de pobre, ao estatuto de trabalhador.
Não defendo Isabel Jonet, que devia guardar algumas das suas convicções enquanto profissional, para si mesma, mas defendo-a na sua afirmação.
Há profissionais da pobreza em Portugal, há vígaros supremos em viver à custa do assistencialismo, da esmola, dos subsídios, da caridade. Conhecem profundamente o sistema e sabem aproveitá-lo melhor que ninguém.
Mas não são todos. Claro que não são todos.
Se são culpados? Merecedores?
São culpados do crime de abuso do poder que lhes é dado pelo Estado Providência?
São culpados por deturparem, exacerbando ao limite a sua condição diminuída?
São culpados pela sua auto-exclusão e por não cumprirem com o contrato social?
Não são culpados, mas são cúmplíces.
Somos todos cúmplices da pobreza.
Ao dar o peixe ao invés de ensinar a pescar, somos cúmplices.
Ao dar uma esmola ao invés de dar condiçoes de vida, somos cúmplices.
Se continuamente prendermos passarinhos na gaiola, dando-lhes de comer e de beber, ensinando-os que só a gaiola existe, somos cumplices do crime de morte, porque se os soltamos não saberão como viver em liberdade. E morrem.
Porque a pobreza é um crime.
Mas o assistencialismo é-o ainda mais.
E neste crime, somos todos culpados.

A Isabel Jonet, neste tema, é só a nossa consciência.
E ninguém vive com a consciência pesada.
A morte da consciência, é a morte de Isabel Jonet, que é tudo menos inconsciente.
Há profissionais da pobreza em Portugal?
Sim.
Cada vez mais.

Daqui!

18 comentários:

  1. Também escrevi sobre issso. De uma forma menos profunda. :)

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    1. Eu sou Assistente Social. É natural que o tema seja para mim mais simples de aprofundar.
      Custa-me que as pessoas não entendam a Isabel Jonet.
      Ela não é perfeita, mas faz um excelente trabalho.
      Peca por ser tão transparente, e as pessoas não estão preparadas para este tipo de verdades.

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    2. Vinha aqui dizer isso mesmo, que gostei de te ler e, sabendo que és da área, ainda mais. E sim, há profissionais da pobreza. Nestes dias basta ir às portas das escolas para vermos um bocadinho aquilo de que falas... pais que vão levar os filhos á escola, que têm todos os apoios e mais alguns, que reclamam por os acharem poucos, mas que ficam no café em frente à escola à espera da hora de saída porque apesar de "não terem apoios quase nenhuns", o dinheiro cairá na conta no dia certo, alguém lhes dará um saco de mercearias, á hora certa a cantina social há-de disponibilizar-lhes as refeições já cozinhadas...

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    3. Obrigada por me leres Mirone. Sobre isto muito há a dizer, mas em todo o lado há Marias Joaquinas que defendem o indefensável, e que metem a mão no fogo sem saberem que aquilo queima. Há em Portugal um certo número de pessoas que não querem (e nem saberiam) viver outra vida que não a vida de pobre subsidiado.

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  2. Excelente tema, Uva! Parabéns pelo post.

    Eu também assisto a profissionais da pobreza, mesmo sendo apenas uma cidadã que observa quem me rodeia.

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    1. Obrigada Su. Sempre um prazer ter-te por cá.
      Não é preciso ser profissional de coisa nenhuma para verificar o profissionalismo dos outros.

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  3. E eu conheço alguns, há cada vez mais, como dizes.

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    1. Eu conheço maningue deles. Alguns (sobretudo os que não têm residência certa, como a comunidade cigana) chegam a receber dois e três RSI, iguais, dados por técnicas diferentes, em freguesias diferentes, porque ora apresentam uma morada, ora apresentam outra e vão pedir a todo o lado como se fosse a primeira vez. Mas a comunidade cigana é a própria da máfia, mas isso ninguém vê, porque pobrezinhos....

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  4. Concordo tanto, mas tanto contigo. Ainda a semana passada tentava dizer o mesmo a quem veio chamar a Jonet de tudo menos santa. A verdade é que o que ela disse deverá ter incomodado muita gente mas não é mentira, em lado nenhum ela diz que todos os pobres o são porque querem, mas sim, há muitos que se aproveitam dessa condição, que sabem como ninguém viver á conta daquilo que o estado (e todos nós) lhes damos.

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    1. Exatamente. São subsídio-dependentes, e não saiem daquilo, e ai de alguém que vá tentar.

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  5. Há certas coisas que se dizem,- pseudo-argumentos trazidos a discussões, - que pecam por serem sofismas. Até aí tudo bem, na esfera da chamada conversa de café, quando duas ou mais pessoas, não obrigadas a dever grande coisa à reflexão, opinam à vez, ora a ver quem ganha, ora, outras vezes, para se comprazerem com estarem todos de acordo e, já agora, abre-se mais uma garrafa de tinto e vão mais umas febras para o grelhador...
    Como dizia, atirar areia para os olhos, ou dela trazê-los sempre cheios sem disso dar-se conta, é comum, diário, compreensível, porém, quando a leveza destes pretensos argumentos chega à boca de quem é tido como ser pensante e crítico, consciente e autónomo, fazedor de opiniões, com projecção mediática, e não um profissional da alarvidade... nesse caso passa a ser preocupante. Em resumo, os sofismas e a desonestidade intelectual, no mínimo, e a estupidez, no máximo, talvez possam ser combatidos. Dizer que há quem queira ser pobre (e dizê-lo publicamente como se isso fosse relevante quando se fala em pobreza) é idêntico a dizer que há nas escolas quem não queira aprender. Em que contexto usaríamos este "argumento"?... caso estivéssemos -, no café, no nosso blogue ou em meio a uma qualquer patuscada, - a desabafar sobre sermos professores desgastados por anos e anos de profissão, ou sobre sermos pais de meninos cuja aprendizagem é comprometida pelos tais que não querem aprender... enfim. Mas se a mesma afirmação for proferida pelo Ministro da Educação, ficamos então a pensar que os males da Educação em Portugal são responsabilidade, mais, são culpa de meninos e meninas que não querem aprender... Do mesmo modo, a POBREZA em Portugal (incluindo a de espírito) é culpa de quem? Do pobre!!! Ninguém, parece-me, ignora o facto de existirem pessoas que recorrem a subsídios de forma leviana, o que me parece extraordinário é querer fazer acreditar que todos estamos cada dia cada vez mais pobres por culpa dessa minoria oportunista. Aliás, como a própria Uva referiu, a responsabilidade para que essas situações continuem a ocorrer é do próprio Estado. Para finalizar, apenas, gostava de lembrar que a maioria dos pobres no nosso país tem "o estatuto de trabalhador"!

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    1. Foco-me aqui numa pequena, mas interessante frase:
      "Dizer que há quem queira ser pobre (e dizê-lo publicamente como se isso fosse relevante quando se fala em pobreza) é idêntico a dizer que há nas escolas quem não queira aprender."
      Não sei a que população se refere o meu caro leitor, a quem agradeço o comentário inteligente e particularmente bem escrito, nem a que faixa etária se refere, mas se eu concretizar pelas suas palavras que é de adultos ou jovens adultos o que aqui refere, uma coisa é certa, na pobreza como na escola, há gente que não quer aprender, como há também os que não querem ensinar. Limitam-se a reproduzir inexoravelmente um comportamento comodista e bafiento.
      Mas não podemos generalizar, vamos cair em grandes erros, mas em todas as esfera da vida social, como saberá, há muito quem não queira nem aprender, nem trabalhar, nem fazer nada. São os que duram, e a esses pouco há a fazer.
      Vou dizer uma coisa chocante: há muitas mães e muitos pais em Portugal, em situação de pobreza, que ensinam com mais capacidade e alegria os filhos para a pobreza, do que para a riqueza (estudos, trabalho, cultura, nação). Veja-se, por exemplo, a comunidade cigana. Mestres da pobreza, auto excluídos da sociedade, sem interesse económico ou cultural por um país que é o deles.
      Como é óbvio, estou consigo quando diz que as pessoas não escolhem elas próprias ser pobres, ninguém em seu perfeito juízo fará isso, mas é engraçado como aqui o ‘ninguém’ não é zero indivíduos. Há sempre quem seja capaz. Veja-se por exemplo as comunidades hippies, o regresso à terra, o despojamento, uma espécie de pobreza material, contra o sistema, para onde empurram as suas crianças, obrigadas a viver em condições precárias, sem vacinas, sem banho, sem escovas de dentes, por um sentido de vida que poderá ser considerado pobre em comparação com o mundo desenvolvido.
      Todos estamos cada dia e cada vez mais pobres por culpa de uma minoria oportunista, que não é essa de que fala, mas a outra.
      Eles.
      Da Isabel Jonet já tudo se disse.

      Muito obrigada por este bocadinho.
      Um abraço
      Uva.

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  6. Eu acho que o principal problema de Isabel Jonet é a comunicação. Ela não é uma comunicadora e diz aquilo que pensa.
    Tendo dinheiro, não falta quem tente deturpar tudo o que diz. É verdade, ela faz um excelente trabalho e há imensos vigaristas, que não fazem mais nada na vida senão viver à custa de subsídios. A comunidade cigana é um claro exemplo, eles não querem ser inseridos na sociedade, não querem empregos e não querem enviar os filhos à escola. Gostava de saber insiste a sociedade...

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    1. Por acaso não acho que ela comunique mal, apesar de ter problemas com a forma e a atitute. Fá-lo é de forma muito severa, racional e sem pejo.
      Não é polida no discurso e leva tudo à frente como fazem as debulhadoras.
      Tem um espírito muito sindicalista, dá uma no cravo e a outra na ferradura.
      É a mãe severa e autoritária dos pobrezinhos.
      Mas não deixa de ser mãe. Limpa-lhes o ranho mas vira o prato.
      Ela é a raínha do assistencialismo. E eu sei que ela sabe que eu sei, e acho que todos sabemos, e ela ainda mais, que o que faz é louvavel, mas vai contra as novas correntes da intervenção social. A caridade pela caridade e pela pena. Vem cá e leva uma banana, toma lá o azeite, não faças nada, estende aqui a mão.
      Mas ela não tem outras formas de alertar para isso ou fazer isso de outra forma, e quando tenta fazê-lo é engolida pelos ditames desta nova sociedade sem rostos, que somos no fundo todos nós.
      Picante, é um prazer recebê-la. Venha sempre.
      A menina era boa para isto da intervenção social.

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    2. Lá está estimada Uva, forma e atitude tem tudo a ver com comunicação.
      Eu gosto dela, diz verdades duras de ouvir. Mas isso sou eu que tenho pouca paciência para o discurso sindicalista.
      (a menina vai fazendo umas coisas aqui, outras ali, menos do que devia, é um facto, sempre alfinetada por uma grande amiga que é a rainha da causa social... isto tudo para dizer que as coisas não são bem o que parecem, pelo menos muitas vezes não são)

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    3. Um dia havemos de falar sobre os sindicalistas. À séria.
      Contar-te-ei um grande segredo.
      Isto tudo para te dizer que as coisas não são bem o que parecem, pelo menos muitas vezes não são.


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    4. Nunca são. Há sempre nuances, prismas diferentes, agendas escondidas. Mas por principio identifico-me pouco com sindicalistas, só ouço paleio sobre direitos, nunca sobre deveres.

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    5. Os sindicalistas não pendem a sua atividade nos deveres dos trabalhadores. Atuam sim na defesa dos direitos, contra, essencialmente, a entidade patronal prevaricadora.
      Se andassem a azucrinar os pagantes com os deveres, iam à falência e não poderiam defender quem precisa.
      Vai daí, uma mão lava a outra.
      Não podemos ser todos doutores.
      Mas percebo perfeitamente o que dizes.
      Eu tenho é uma agenda diferente. Aliás é precisamente isso. A minha agenda quanto a sindicatos é verdadeiramente diferente da tua.
      Abracinho. Amanhã é o dia...

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