17 de outubro de 2014

Da congelação de óvulos - o embuste do novo patronato

Há decerto quem não saiba, talvez por ser tema de pouco interesse ou pouco conhecido da generalidade da população (preocupada naturalmente com outros afazeres e prioridades), que as mulheres, ao contrário dos homens que fabricam espermatozóides por dá cá aquela palha, nascem com os óvulos todos à nascença. 400.000 meninos imaturos, muito tontinhos, que só serão alguém, por alturas da puberdade, e só farão parte da diabólica estatística humana, se algum espermatozóide, igualmente tontinho, o fertilizar decentemente. 

Estes óvulos, que se 'gastam' ou melhor, que desaparecem a cada menstruação, não voltam a ser substituídos pela perfeita mãe-natureza, muito embora sejam em número bem maior do que o número de óvulos que são 'utilizados' durante toda a vida.
Dá-se porém o caso, tal como no universo em geral, e nas mulheres em particular, que também os óvulos envelhecem com o tempo. 
Este fenómeno, contra o qual todos lutamos diariamente, uns mais acerrimamente do que outros, mas todos com igual interesse, chamado de envelhecimento ou declínio, como queiram, acontece sobretudo a partir dos 35 anos, altura em que a produção da hormona do crescimento decresce substancialmente para níveis ridículos, e todos nós deixamos de nos 'renovar' celularmente de forma tão profícua, como é apanágio na juventude, em que qualquer ferida, entorse ou maleita, se cura rapidamente sem deixar rasto. Se aos quarenta já nada resta desta hormona, aos quarenta e cinco, é a lei da gravidade a grande vencedora, e andamos três semanas com a mesma nódoa negra.

Ora nestes termos, será fácil deduzir que se atualmente, por coisas cá da nossa vida laboral ou pessoal, a grande parte dos casais optam por ter filhos após esta idade, e que se este período coincide (também) com o declínio da fertilidade na mulher, a procriação ficará muito mais comprometida, e ter filhos poderá tornar-se num inferno ainda maior do que não os ter.

Acontece que somos muito inteligentes e tudo inventámos para inverter esta triste realidade e eu, que não sei o que me reserva o futuro, fico muito 'descansada', e este é o termo certo, assim mesmo entre comas, por haver uns senhores doutores que conseguem congelar-me os óvulos para que eu possa mais tarde, talvez depois da empresa do meu patrão se internacionalizar para Marte, Jupiter e Saturno, eu possa enfim ter os filhos que não consegui ter no intervalo das reuniões de direcção, das viagens intergaláticas à procura de outras formas de vida, ou porque estava muito ocupada a enriquecer o meu patrão com a minha 'eterna' juventude em idade fértil.
Pois na realidade, é aqui precisamente que quero intervir.
Alguns patrões, muito preocupados com o bem estar das meninas lá do escritório, resolveram por estes dias, pagar-lhes a congelação dos óvulos para que elas possam aproveitar ao máximo a excitante vida  laboral e libertá-los, (a eles e a todos os membros do C.A.), da velha e cansativa culpa de terem de as despedir antes que atinjam o auge da carreira, substituindo-as por uma tonta qualquer, de preferência infértil.

Atentemos neste impiedoso mas real exemplo: 
V/Exa. Patrão da barca, pagou-lhes romanticamente esta 9ª maravilha do mundo que é congelar óvulos, e prometeu-lhes o Universo. Não procriarás (por enquanto) e dedicar-me-ás toda a tua pujança, antes que a mesma te seja sugada por um faminto bebé. Eu logo te farei o devido bullying quando achares que está na hora da descongelação, e eu achar que não, que os óvulos são meus, que afinal fui eu que tos paguei.
Patrão da barca faliu, ou desintegrou-se no caminho lunático para Marte, e as coitadas ficaram na merda, sem emprego, com 45 anos de idade e com 5 óvulos na gaveta de cima do congelador, juntamente com as couvetes do gelo.   

Antes de avançar, gostaria de perguntar a este patrões, que pagam amavelmente a congelação dos óvulos às suas trabalhadoras em idade fértil, a quem pensam eles vender os seus produtos no futuro, se as mulheres não tiverem filhos.... ou então entrar por caminhos apertados, nomeadamente aqueles da crescente dificuldade (ou impossibilidade) de se levar uma fertilização in vitro a (bom) termo, com 35, 40 ou 45 anos de idade, mesmo que os óvulos tenham 20 anos, mas talvez não seja necessário explicar novamente a história do declínio e da gravidade.

As agora modernas mães de 45 anos, induzidas por esta mesquinhez patronal, travestida de providência e de solidariedade, que tiveram filhos através de técnicas avançadíssimas de congelação de óvulos pagos pelo Patrão da barca, esse grande mecenas da procriação assistida, vão sentir-se muito realizadas e felizes aos 70 anos, com os seus filhos de 20? Não, não vão.
Porque com 70 anos, além da angustia de não os poderem acompanhar muito mais tempo, já cheias de problemas de saúde e de dinheiro, sim porque neste entretanto o Patrão da Barca ficou multimilionário mas elas não (que viver custa umas massas valentes), estarão a sobrecarregar os seus filhos de 35 anos, altamente dependentes, imaturos e sem dinheiro, que estarão também eles a trabalhar sofregamente, e a congelar óvulos (como a mãe fez aos 30), e que não vão ter tempo e nem dinheiro para lhes pagarem um lar condigno, ou (que seja) lhes tratarem da velhice e dos problemas da falta da hormona do crescimento.

Eu, que sou uma mãe estupidamente tardia (perdida que andei nesse nem-nem - e que repeza estou), considero muito perigoso esta possibilidade de avançar com a decisão de ter filhos até ao inconsciente da idade, em prol da carreira, de um egoísmo tremendo, porque as mulheres que preterem os filhos à carreira, ou que se deixam levar por estes embustes do patronato, este 'descanso' artificial medicamente assistido, deviam acordar mais cedo para a temática da infertilidade associada ao envelhecimento das estruturas físicas que permitem (ou inviabilizam) a gravidez, percebendo que um corpo de 40, 45 anos constitui um grande obstáculo à procriação, e que aos 70 anos, as mães devem é andar com os netos às cavalitas, ao invés de andarem os filhos, com elas às costas.

Se uma mulher quiser ter filhos e puder ter filhos, deve ficar muito atenta a este novo 'descanso' de ter um punhado de óvulos congelados, porque conseguir ser mãe não depende só dos óvulos, e ademais, entregar assim a sua juventude a um bando de engravatados (que têm lá em casa a mulher a parir de ano a ano - claro!)  é injusto para elas, já que tudo tem um tempo, e será muito complicado para os seus filhos, no futuro.

Isto das mães idosas, vai ser um grande sarilho.
Ai vai vai.

10 comentários:

  1. os senhores do mercado, que estudaram a micro e a macro economia, que sabem prever ciclos e contraciclos, estão agora com uma grelha excel formatada e alguns gráficos à mistura, à espera dos resultados da medida, para perceber se desligam a ficha da arca congeladora ou se, pelo contrário, guardam o produto (é assim que se vai designar) para o contemplarem com os olhos marejados de lágrimas, enquanto posam para a revista Forbes do futuro.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Hahahahahahaha
      A revista Forbes do futuro, caso esta medida tome rumo e ganhe adeptas, vai ser um bando de velhos caquéticos, sem ninguém para lhes mudar a fralda.

      Eliminar
  2. Sabes que uma mãe de uma menina carrega, durante a gestação da filha, os óvulos dela? Não é estranho? Carregaste os teus próprios netos :)
    Não foste estupidamente tardia nada. O que dirás da minha mãe, que me teve aos 40?
    E sim, aí sim, é um problema.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É mesmo Linda. Pelo que vejo, e a culpa é desta merda de sociedade só centrada no ter, no consumir, possuir, hà uma percentagem de mães idosas muito elevada, que nunca vão conhecer netos nem ser capazes de ajudar os filhos da forma como as mães mais jovens os ajudam agora. Que será de um miúdo de 30 anos que viu o banco subtrair-lhe a casa por falta de pagamento, se em casa da mãe, ultimo reduto, tem uma mãe cheia de problemas com uma reforma ridícula. A maternidade tardia potenciará em muito a pobreza e as dificuldades das famílias num futuro muito próximo.

      Eliminar
  3. Ganda Uva! O que aqui não se aprende!
    Mas não te vanglories muito porque tu também aprendeste.
    Viste como do pé para a mão já és avó?!... Ou foste! Ou vais ser o que já foste! :)
    BFS.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu aprendo muito, sobretudo com todas as pessoas que por aqui passam. É o máximo que posso pedir.

      Eliminar
  4. Já se nota, sabes, o envelhecimento das mães? Olhando me volta, começa a ser visível...
    Vivemos em queda livre, no sorvedouro do dia-a-dia da sobrevivência, adiando decisões, precipitando outras.

    Beijinhos Marianos, Uvinha! :).

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tenho muita pena que as mulheres (que querem, naturalmente) tenham de viver infelizes, agora e depois, por não se realizarem enquanto mulheres, ao serem mães. Deve ser uma angustia muito grande.

      Eliminar
  5. Eu acho que qualquer mãe que adie sê-lo por questões meramente de carreira não o devia ser. O egoísmo e o facto de deixarem um filho para segundo plano por causa de um patrão, de uma carreira, etc devia ser suficiente para perceber que lhes falta estofo para serem mães.
    É que, depois de as terem os patrões continuam a querer lá sempre as empregadas e depois? Têm filhos para as amas criar? os avós? as creches?
    Parece-me que a mudança está a ser feita no lado errado.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E lá diz a minha sogra e muito bem: o trabalho não azeda...

      Eliminar