23 de outubro de 2014

Surreal. Levem-me para o hospital.


O surreal desconserta-me, deixa-me os pensamentos à tona, turvos, como um mosquito em apuros, que esperneia no grande espelho d' água.
Como eu.
O que estará um pé a fazer na boca de uma cigarra?
O que faz um dedo vestido de fraque?
É tudo tão estranho e tão estúpido que por vezes achamos que é belo.
Mas não é.  

Pelo menos para mim.


Há na minha vida muita gente surreal, grandes artistas que sem saber, ou inocentemente, pois que outra razão poderiam ter para me desconsertar assim a vida, fazem coisas que me impedem de seguir em frente.
O surreal tomou conta da minha esfera doméstica, que já não consigo controlar. Por um lado há factores externos que a conspurcam, que a transtornam, e por outro (o que chega a ser ainda mais surreal), é que os cenários que certos artistas pintam no meu quotidiano, me fazem sentir mesquinha e embrutecida.

Chovem na minha cabeça emoções frugais. 
Vagais sentimentos de culpa.



Deixando agora o etéreo, antes que vocês me adormeçam, vou tentar explicar em poucas palavras o que vocês todos querem saber.
Que mosquito me mordeu?

Há problemas lá em casa, derivados de um certo surrealismo escolar.
 Fazem-me a cabeça em água.


Tudo é surreal.
Depois de onze horas de trabalho, duas horas de tormento. E eu bem tento, mantê-la acordada.
Depois de oito horas de aulas, doze fichas de matemática e uma composição.
Depois de uma semana de trabalho e muitas horas de escola, pintam-se três cartolinas roxas, recortam-se frutas e trouxas, num fim de semana de calor.
E o amor?
Depois do jantar, três marmitas para preparar,  um banho para tomar. E um poema para a mãe.
Ditongos, cantigas. Divide as seguintes silabas, circunda o resultado.
Todos os dias tabuadas, todos os dias composições, todos os dias sermões.
E as emoções? Não valem nada?
Não entendo como é que uma miúda de sete anos, que passa um dia inteirinho na escola, ainda traz uma mala cheia de fichas para fazer diariamente.
O que têm em mente?
Deixar-me maluca?
Já não sei onde me meta. 
Sinto-me mal. 
Perco a tineta.

Saio disparada com uma marreta em riste, ou chego-lhes a roupa ao pêlo com o meu velhinho martelo?
Era um belo quadro. Uma linda tela.
Pedacinhos de massa cinzenta voando por todo o lado.
E colibris de todas as cores debicando a mistela.
Surreal. 

Levem-me para o hospital...


12 comentários:

  1. Parece mesmo duro...talvez possa dar para dizer a filha "vai pedir ao pai que te ajude?" (estou-me a ver a mim a fazer isso...)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estamos os dois em sintonia. Trabalhamos os dois bastante.
      Cada uma grita para seu lado.
      Ninguém merece isto.
      Aliás, carta para a professora sai já daqui a breves momentos.
      Ou ela ou eu. As duas para o hospital é que não.

      Eliminar
  2. a ter em conta esse contentor de trabalhos que traz para casa, alguém vai ficar pelo caminho!!! eu não ia pela carta, Uva. Caso possas, conversa com a professora numa abordagem dialogante, as palavras não te metem medo, e assim é importante, para tentar perceber a razão de tanta tarefa. é só uma opinião. posso até não estar a ver na melhor perspetiva.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gosto de cartas, mas ainda assim penso que deveria falar com ela. Não tem filhos. Sai cedo e vai malhar para o ginásio. A matéria dou-lha eu a meias com ela. Não tem noção nenhuma sobre a vida dos pais. A miúda parece um zombie. Eu nem sei...

      Eliminar
  3. Se não fosse cá por coisas, dizia-te que te entendo, se te entendo. Mas isso tudo multiplicado por um número que eu nem te digo, porque tu não ias acreditar, e nem eu ainda, quanto mais.
    Tenta resolver isso junto da representante dos pais. E não me digas que és tu.
    Beijinhos. E um no pulso da tua menina, que já deve doer. E na testa, de tanto encostar na palma da mão.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, que só tenho uma. Mas isto é demais. A rapariga tá doida. Obrigada.

      Eliminar
  4. Uva, penso exactamente como tu. Felizmente consegui, há muitos anos, fazer uma professora primária perceber que o conceito "trabalhos para casa" aplicava-se aos tempos em que os meninos estavam, efectivamente, em casa. Hoje só lá vão comer e dormir, infelizmente. Ou seja, os trabalhos a seguir às aulas deviam ser feitos na escola. Consegui que se criasse uma aula de trabalhos à terça feira, pelo menos nesse dia da semana não havia tormento. E sobretudo faz falta não esquecer que as crianças devem fazer uma coisa muito importante: brincar.
    Enfim, também não gosto de surrealismos, nem de Salvador Dalí gosto, vê lá! :-)
    Beijo e boa sorte.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sou totalmente contra TPC no 1° ciclo. As minha filha está 8 horas na escola. É sinistro. Roubam a infância às crianças. Conheço pais que pagam 150 euros por mês para as crianças frequentarem um centro de estudos para fazerem TPC. É a coisa mais estúpida que pode haver. E estou farta.

      Eliminar
  5. Eu tive uma professora primária daquelas à antiga, que acreditava que tínhamos de ter disciplina acima de tudo. Era conhecido lá na escola por ser a que mais trabalhos de casa mandava, tinha sempre paletes de exercícios para fazer e nas férias eram livros para preencher! Eu saia da escola às 15h da tarde, era perfeitamente fazível e surtiu os efeitos desejados mais tarde!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Cá em casa também está a a surtir muitos efeitos.
      Ninguém dorme astes das 23h incluinda a criança que se levanta às sete.
      Disciplina é mais que muita, a miuda não sabe fazer, atrasa-se, escreve e apaga, escreve apaga, e nós sem paciência alguma, ao invés de sermos complacentes, é gritos de meia noite.
      Somos por este dias uma família totalmente disfuncioanl, quando poderíamos ser de uma forma totalmente diferente.
      O fim de semana passado ninguém foi à praia, nem andar de bicicleta, nem apanhar ar puro, comprar coisas para a casa, porque a professora se lembrou de mandar 5 fichas, 2 composições, um ditado, dez tabuadas e coisinhas (poucas) para pintar com a família...
      Anda a educar-nos, portanto.

      Eliminar
  6. «Quem tem filhos, tem cadilhos»

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Heheheh a minha avó dizia sempre isso, na altura em que me criava....

      Eliminar