26 de novembro de 2014

Passadeira Vermelha - Sic Caras

Muito antes de começar a escrever já as ideias se engalfinhavam no pensamento, para ver qual delas conseguia meter primeiro, o pézinho no papel virtual.
Deu-se pois, e está visto, na minha intrincada fauna neuronal, o flagrante caso que ficou para a história das palavras, através do grande Julien Green: o pensamento voa e as palavras vão a pé.
O tema pode parecer de notada futilidade, a ver pelo título, como se o blog de variedades da Uva Passa, interessado por tudo e por muito de nada, levasse hoje - a uma quarta-feira sem mistério, que nasceu propícia a faltas ao trabalho - até aos seus pacientes leitores, mais um post sobre Sócrates ou sobre o que a Manela [Moura Guedes] diz sobre o Sócrates.
Pior. É muito pior.

Aventura-se a dona da cesta pelo mundo fashionista, último reduto de tudo o que é blog relevante, e razão pela qual a maioria das miúdas da minha idade, algumas mais novas, direi eu, aprende inglês antes de aprender português, a ver pela qualidade literária que apresentam, em comparação à ausência de erros no que toca à publicidade dos seus produtos de beauty-glamm-sweet-lipstic e respetivos estrangeirismos, em itálico.

Pois parecendo que não, além de livros, bons livros, livros grossos - tantos que era capaz de chegar ao cimo da Árvore de Natal mais alta da Europa, aquela que costuma estar ali montada no coiso, trepando pelos calhamaços acima, sem tocar sequer! em nenhuma bola, dessas que saem disparadas e atacam as crianças em cheio na testa - a Uva Passa também mete os olhinhos na televisão generalista, é verdade, e às vezes, quase sempre, se detém em coisas parvas que algumas pessoas muito fashion e ultra-modernas, menos nos neurónios, fazem com os canais que lhes dão para as mãos, para se entreterem no horário de expediente.
Para me aconchegar as ideias, e como diz aquela que ando a ler, o que não tem nome não existe, resolvo dar um nome ao programa em apreço: fuck-them-all-show.

Heis-me debaixo dos lençóis polares, com um saco de água quente nos queixos, televisão ligada no canal-Sócrates-44, e algum sono guardado sobraçante das noites anteriores.
Ora deixa-me cá ver o que vai pelo cabo a fora, que já não há paciência para o prisioneiro alentejano, até ao exato momento em que me deparo com um rapaz muito engraçado, ténis All-Star e dobra grossa na calça skiny, com tiques nervosos no olhos, ou nas mãos, nunca sei, e que está com o rabo virado para o ecrã, ajeitando as almofadas onde é suposto sentar o befe durante o fuck-them-all-show, onde participam também outras arvelinhas, todas muito cheias delas próprias quando respiram, que debitam alarvidades sobre imagens de pessoas conhecidas que pousam os esqueletos nas passadeiras vermelhas desta vida.

Ora deixa lá ver o que faz o rapaz, que não pára sossegado, talvez tenha alguma coisa no rabo, nunca se sabe, porque enquanto os outros compadres se degladiam com frases como: aicórror! aquele vestido é horrorosocatédói! e a não-sei-quantas não devia usar aquele tecido que não lhe vai bem com as mamas! o rapazola senta-se e levanta-se três vezes, completamente alheado do que ali está (a ser pago para) fazer, e lá se senta, puxando um sofá-puf que ali está no decór, e toca de alambasar os chulés ali em cima, como se estivesse em casa.
Não satisfeito com a posição, ou com a profissão, agarra no IPad que cada um dos compadres também usa, e mete-o em frente à carinha laroca que Deus lhe deu (não sei para quê) e toca de tirar o ramelame dos olhos. Julgo que ele está como eu, sem ir à cama há uns dias, sendo que eu tiro as ramelas de manhã, evitando fazê-lo nas reuniões.

Desculpem o estendal, mas quero dizer só mais uma coisinha.

Estes quatro ou cinco marmelos, pagos a preço de ouro para falar sobre moda!? neste (e em outros) formatos televisivos, são contratados PARA QUÊ? 
Qual é a capacidade sináptica necessária para se participar neste programa onde se fala sobre tudo menos do que é suposto?
Não me digam que em todo o Portugal, onde não falta é gente criativa, não encontraram mais ninguém, caramba, mais ninguém que verdadeiramente partilhe algo de interesse, com sainete, que realmente perceba do assunto e que saiba do que fala? Com inteligência?
É mesmo necessário encher uma hora e meia com um gajo que tira ramelas em direto, e os outros que ficam a olhar para o dia de são-receber, rindo-se como parvos uns para os outros, quando há milhões de pessoas que sabem realmente alguma coisa sobre moda e que PRECISAM e sabem fazer isto mil vezes melhor?

Eu não consigo entender esta gente. Juro.
Pérolas a porcos, literalmente pérolas a porcos.
Vão-se encher da moscas pá!


3 comentários:

  1. boa noite Uva. por favor defina "sainete", explique-me o uso do vocábulo ramelas num post com conteúdo fashionista e ao mesmo tempo a resvalar para a crítica televisiva. só mais um acrescento, arranje-se já um provedor do espetador incauto para responder à questão formulada com grande propriedade. já agora, sem querer ser indelicada, e usar este espaço a meu bel prazer, sendo apreciadora de presunto e chouriço das beiras, também estarei qualificada para comentar enchidos?obrigada! :))

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  2. Ora bons dias.
    Sainete é coisa de classe.
    Estará sempre qualificada para comentar o que queira.
    Entre e ponha-se à vontade.

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  3. Infelizmente é o que vende!
    Mal dizer está na moda.

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