13 de fevereiro de 2015

Legalize it?



A despenalização do consumo, ou a legalização do comércio das drogas em Portugal, é um assunto recorrente e muito debatido, sobretudo para quem (e por quem) se senta nas cadeiras quentes do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, ou para quem faz intervenção social direta, como o caso dos psicólogos dos CAT´s, das clínicas de desintoxicação, ou de quem anda no terreno a combater o tráfico e os crimes associados ao tráfico.

Não é fácil tomar uma posição radical sobre o que seria melhor para os portugueses e sobretudo para os nossos miúdos. Os exemplos de fora são tão diferentes da nossa lógica e do nosso tipo de intervenção, e até da nossa consciência social, que se de repente à minha filha de 15 anos (que ainda não tem, mas lá chegará) fosse permitido comprar um charro, ou a substância similar, na farmácia, para fumar no intervalo das 10.15h, eu se calhar não iria achar muito inteligente.
Mas se eu pensar que ela vai experimentar (que vai) e que para isso tem que se enfiar num bairro social muito feio para comprar o material, vou ficar com a cabeça enrolada e vou começar a medir os prós e os contras de legalizar o comércio e o consumo de drogas leves.
E já se sabe: utilizar o exemplo pessoal para definir ações e estabelecer posições, é bastante medíocre.
É analisando globalmente que se determina a intervenção local, caso contrário haveria uma lei para cada pessoa de acordo com as circunstâncias e vivências de cada um.
A isso chama-se anarquia.

O exemplo português relativo às drogas duras é um case study muito interessante, muito estudado e muito copiado.
As salas de chuto foram uma novidade belicosa e de difícil deglutição para quem criminalizava ferozmente o consumo. Substituir a prisão de um consumidor, por uma sala de chuto, nos idos de 2006, foi de longe a melhor iniciativa que Portugal teve no combate à criminalidade, e sobretudo no combate às doenças associadas ao consumo (VHC, Sida, DST).  Já para não falar do enorme contributo que é identificar os doentes, chegar a eles e salvar-lhes a vida.
Neste aspeto, é congratulante ver que Portugal teve a inteligência de descriminalizar (desde 1 Julho de 2001) a aquisição e a posse de drogas para consumo individual.
Ao invés de prender doentes, e passar esse ónus para as instituições prisionais, quem hoje for apanhado apenas com 'a quantidade necessária para o consumo médio individual de 10 dias', entra num processo onde lhe é dada a opção de se tratar.
Esta atitude tem salvado muitas vidas, e esta atitude, parecendo que não, foi uma espécie de legalização do comércio e do consumo, pois se o tóxico consome às claras o produto que lhe é dado pelo Estado, então basta querer consumir que há ali aquela porta aberta.

Mas voltando à vaca fria.
Legalizar a venda das drogas leves (e o seu consumo generalizado), passando-as para a esfera do Estado, seria roubar o comércio aos traficantes, ou vejo mal?
Sem tráfico não há crime, é isso?
Sabemos que mercado legal não afasta o Crime Organizado, temos por exemplo o caso dos bingos, (alguém ainda acredita que não existem manipulações de resultados?) e o caso do álcool e dos cigarros. Se o Estado não dá conta de fiscalizar as coisas legais (ASAE) e é uma confusão se um comerciante vende um chouriço mal-amanhado e carne de cavalo com nome de suíno, imaginem adicionar erva a esta equação...
Os traficantes iriam continuar a traficar, e o que se pretendia (a diminuição da criminalidade) iria continuar a acontecer.

Por outro lado verifica-se a diminuição do consumo em países onde o seu comércio e consumo são permitidos. Podemos transferir esse exemplo para Portugal, ou seria tapar o sol com uma peneira?
E um usuário de cocaína ou heroína que hoje pratique assaltos para consumir, vai deixar de fazê-lo porque a droga passou a ser legal? Será que a indústria legal das drogas daria emprego a este viciado para que pudesse pagar o seu consumo, ou ele iria continuar com a mesma fonte de renda anterior? 
A legalização acabaria por gerar a tarifação das drogas pelo Governo, que manteria o preço alto; não reduziria o problema da violência, já que vício é vício e o viciado quer consumir a qualquer custo.
Poderão, e bem, assumir quer eu estou a misturar hardcore com uma sinfonia de Ludwig van Beethoven e que erva nada tem a ver com heroína, mas a verdade é que a erva também vicia, e o vício paga-se bem.
E o cigarro, droga lícita, já desapareceu ou já diminuiu?
E o álcool, droga lícita, já desapareceu, já diminuiu?
E a violência doméstica e a miséria a quem chegam os sem abrigo, provocada pelo álcool?
Tão barato e tão caro...

Parece-me difícil a escolha.
Sobretudo porque entre os mais novos não existe essa de usar droga responsavelmente.
Um jovem é intrinsecamente irresponsável.
As drogas viciam e alteram, na sua maioria absoluta, o funcionamento do cérebro e das habilidades cognitivas do individuo.
É que vamos lá a ver, não há nada de bom nas drogas, só morte, tristeza e violência (por droga entenda-se a substância viciante, não a medicinal).
Vamos dar luzinha verde a isso?
Valerá a pena arriscar? 
Ou serão os contra mais significativos que os prós?
Legalize it?
Realy?

8 comentários:

  1. Ora aí está uma questão que nunca se analisa com a razão mas sim com o coração e de acordo com a experiência pessoal ou até não. Sou mãe de dois filhos, um já adulto e outro com 17 anos. Claro que compraram, claro que experimentaram, mas a mefo talvez e as escondidas e sabendo que estavam a fazer algo errado. Se fosse legal fa-lo-iam ainda mais novos, mais fácil e livremente e se gostassem voltariam a fazê-lo vezes sem conta livremente e sem qualquer espécie de cuidado ou culpa. Penso que se não for legal, aluns charros e chutos vão ser evitados.... Mas isto sou eu a pensar com o coração.

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    1. Exatamente.
      Também penso com o coração, mas também acho que apesar de haver muitas (muitas mesmo) vozes que se levantam a favor da legalização da erva, estas são sobretudo consumidores frequentes, que não se consideram delinquentes, anormais, doentes, ineptos ou outro estigma, por serem consumidores, ou seja, são crentes que fumar maconha ou haxixe, ou outro tipo de erva, não os diminui mentalmente, logo, deve ser legalizado.
      Eu, não tenho ainda uma opinião claríssima, mas acho que sou mais contra do que a favor.
      Creio que devem sim combater os produtores originais, acabar com os campos de cultivo, a raiz do mal, mas isso é quase impossível, porque nesses países a lei vigora totalmente a favor do cultivo, aliás meio de subsistência para uma grande fatia da população, paupérrima.

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  2. "Não lhe dês um peixe. Dá-lhe uma cana e ensina-o a pescar"
    É mais ou menos isto que penso em relação à legalização das drogas leves (e o leves faz diferença ).
    A legalização pode ter algumas, talvez até muitas vantagens e não a legalizar parece-me mais um ignorar o problema do que resolvê -lo. A droga existe e mesmo ilegal é facilmente acessível a todos além de alimentar todo um mercado paralelo do qual ninguém na verdade se quer ocupar.
    Legalizando-a ou não (e eu apesar de mãe e não consumidora sou pela legalização ) urge uma dismistificação do tema e uma forte educação/esclarecimento junto às classes mais jovens. A proibição legal não lhes reduz a curiosidade ou a vontade de experimentar, nem tampouco o acesso às mesmas, como podemos ver. A informação sim.
    Os problemas de tráfico, a dependência, a criminalidade e todos os problemas inerentes à droga são problemas sociais que devem sem tratados em sede própria e o estado não pode demitir-se dessa responsabilidade. Prender, dar tratamentos ou até fornecer doses não resolvem nada por si só. É só mandar o lixo para debaixo do tapete...

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    1. Esta tua ilação é também muito ao meu jeito Anita.
      O tráfico, a dependência, a pobreza e tudo o que chamamos de problemas sociais vão continuar a aparecer.
      Talvez tentar a ver no que dá...
      As salas de chuto vão voltar, porque foram realmente proveitosas. Talvez aproveitar e lançar um debate sobre isto, sério e estruturado, por quem sabe da poda e não por quem ocupa pontualmente e temporáriamente o poder.

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  3. Olá Uva, então ontem cortaste-me o pio, mas eu lá achei que seria sol de pouca dura e guardei o que te queria dizer para quando a liberdade estivesse de volta e já está! que bom!, então deixo-te aqui o comentário já atrasado e venho cá depois com mais tempo, ler os últimos posts, aqui vai e é longo:

    Olá Uva, uma pessoa não consegue visitar os blogues da sua vida todos no mesmo dia e depois é isto, deixam-se as pessoas penduradas, isto tudo para dizer que já me ri com aquele teu comentário a propósito do Quiescente, e entretanto não sei se já viste que já está perdoado e sim é de o levar, aposto que é pessoa para animar qualquer retiro, mas por via das dúvidas, é não o deixar sozinho ao pé de flores ;).

    Agora a sério, este tema é daqueles em que não consigo mesmo decidir para qual lado ir, o que penso é que, se o que está subjacente à ideia da legalização, não será o retirar ao consumo de drogas o encantamento da transgressão, do viver perigosamente, tão característico de uma determinada fase da nossa vida, como é a adolescência, imagina, ir comprar droga a uma loja com toda a gente a ver, olha aquele/aquela anda metido na droga e sem a aventura de andar a ultrapassar obstáculos, de ir ter com gente perigosa e ser o maior da escola, o corajoso que enfrenta todos os perigos e medos, não poderá ser capaz de marcar alguma diferença e assim afastar alguns, podes dizer-me, trocam a droga pelas bebidas alcoólicas, sim, mas isso já é o que a maioria faz e ao mesmo tempo, pode pensar-se que fazem por ser mais acessível e assim sendo, em ficando as drogas também mais acessíveis, toca a ser consumida por aqueles que antes "só" consumiam as bebidas alcoólicas, estás a ver, é por isto que não consigo chegar a uma conclusão. Posso dar-te o meu exemplo, nunca experimentei nenhum tipo de droga, os meus pais sempre me deram liberdade, quando comecei a sair disseram-me que nem lhes passava pela cabeça que não pudessem confiar em mim e que a minha liberdade era eu que a ia ter de conquistar e seria proporcional à minha responsabilidade, digo-te, diverti-me sempre, mas ter presente a ideia de não trair a confiança que os meus pais estavam a depositar em mim, serviu para me afastar dessas trampas todas, lá está, aqui pode ser um exemplo em como a liberdade pode funcionar como inibidora da vontade de transgredir.

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    1. Olá Clau.
      Antes de tudo quero agradecer-te e fico muito contente por teres referido a Uva Passa lá no Pipoco como um dos blogs que tu gostas, e afinal isso é o que mais me interessa.

      Sobre o post, estamos no mesmo ponto. Sem saber que caminho levar, sendo que o caminho é o das pedras.
      O que dizem os iluminatti é que o futuro tente para a legalização e que proibir é uma forma de aumentar os custos, porque a guerra contra o tráfico é penosa e muito cara.
      A legalização só pode avançar quando o nosso país estiver mais evoluído, mais informado e mais formado.
      O consumo pode diminuir, por ser a liberdade um fator (como dizes) inibidor da vontade de transgredir.
      Mas o facto do álcool se legal e de os verem comprar, não é inibidor da vontade de o consumir, e já sabemos o que os jovens fazem com o álcool... aquilo é até cair para o lado.

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  4. O IDT foi substituídpo em 2012 pelo actual SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências).

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