12 de abril de 2015

Diverte-me pensar que (ainda) há Piratas que escrevem assim.


Diverte-me pensar que aí onde te foste enfiar recebeste Herberto com um sorriso desajeitado e uma garrafa de mau vinho tinto. 
Porque entre os teus atributos e não há morte que branqueie tão pesada verdade, nem de mim seria de esperar que te desculpasse a menor falta, quanto mais esta que é das graves, nunca esteve o da escolha do vinho. 

Herberto ha-de ter-se sentado à tua mesa com um sorriso não mais ajeitado do que o teu e hão-de ter falado da substância dos ossos, da asa esquerda das borboletas, do rasto que deixa a minhoca nipónica, da velocidade dos ponteiros de uma clepsidra reinventada. ou lá essas coisas que os poetas falam quando se juntam à mesa, em redor de uma garrafa de vinho tinto, para mais, quando o vinho é péssimo e ambos estão mortos.
A ferida da tua ausência é chaga que não há meio de criar crosta para depois passar a cicatriz e a seguir a pequena marca e por fim a breve sombra. E se não há corrente de ar, inusitado verso, fotografia esquecida, que não devolva a estupefação da tua permanente indisponibilidade, o que dizer então da morte de um poeta que, ainda por cima, era um dos teus tão poucos poetas. 
Antes que me assombres na memória do jeito de voltar a cabeça para a direita, o ar sério, o maxilar inferior a mover-se lentamente, informo que podes poupar o discurso da antinostalgia. Pelo menos, por aqui, o vinho tinto é sempre de qualidade.




O fundo do blog é o negro dos mares, difícil para mim, de olhos cada vez mais sensíveis, mas a escrita é tão límpida que até os meus olhos o desculpam.

14 comentários:

  1. Não sei se «divertir» é o melhor verbo.

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    1. Escolhi o verbo divertir para fazer pandant com a Cuca e com o início do post dela, que usa habilmente divertir para falar de mortos, mas na verdade o verbo mais apropriado seria contenta-me. Se não, qual seria?

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    2. O silêncio. Não é um verbo mas há textos assim, que a melhor forma de os apreciarmos é assim, em silêncio.
      Isto sou eu e a minha forma de ver as coisas -- a Cuca não precisa de advogada de defesa, e se calhar nem partilha do meu ponto de vista.

      Se calhar estou só a responder no choque de ver este texto em particular postado noutro sítio. O mais certo é ser só a minha sensibilidade a vir ao de cima.

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    3. Cara Carla, não estou certa de ter entendido o seu comentário. Considera abusivo eu ter copiado o texto de uma blogger, cujo tema lhe toca a sensibilidade, e que por tão precioso não deveria sair do seu lugar, que é um blogue, também ele público, ou deseja ser a única além dos leitores da Cuca a apreciar o texto que ela escreveu, impedindo outros leitores, por exemplo os meus, de conhecer os textos desta blogger? Na minha humilde opinião, e na verdade não pedi autorização, nem me ocorreu, a publicação de um texto de uma blogger em outro blogue é somente a constatação de que se gostou muito do texto, se preferir, um cumprimento, um parabéns, um boa!, e não para criar um choque ou ferir susceptibilidades ou sensibilidades. Se souber mais do que eu sobre se a Cuca tem ou não gosto de ver textos dela publicados em blogues alheios, diga com propriedade, que eu não sei. Até lá fica o texto do qual gostei muito, entre outros que ainda não tinha lido e que li hoje, da Cuca, aqui no Uva. Denoto um carinho especial da Carla pela Cuca, e não quero de modo algum que considere este 'roubo' como um abuso da propriedade. O texto está identificado. A Cuca, que não creio que visite o meu blogue, se calhar cá passar, poderá dizer o que tem a dizer. Ou não.
      Mas olhe que esta coisa de linkar textos e dar a conhecer trabalhos de outros, fotogtafias e arte e tudo e tudo, é do mais saudável que há, é aliás a única forma de se conhecerem os trabalhos de quem escreve online. Um abraço.

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    4. Uva, não é preciso tanta formalidade, ainda para mais quando já trocámos vários comentários e usámos sempre o «tu».

      A ver se me explico. Os textos da Cuca devem ser lidos e partilhados, é uma exímia escritora e sobre isso não tenho dúvidas. O meu choque -- directamente ligado à minha sensibilidade, da qual não tens como saber coisa alguma -- foi ver este texto em particular num lugar onde não contava lê-lo. Não há muito mais a acrescentar.

      Ora, é dos livros, que reacções a quente, ou em pleno espanto, não costumam dar bom resultado. Mas que fique aqui claro que a minha surpresa vem tão-só disto mesmo: não contar ler no teu espaço este texto. Não tem rigorosamente nada a ver com a partilha em si.

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    5. Tens razão, que estupidez esta do você. Desculpa. Achei mesmo que não eras a minha Carla e.... Vamos então recapitular que isto afinal é uma falha na comunicação e a culpa é minha. Já não é a primeira vez que publico no meu espaço textos de outros bloggers. Inclusive da Cuca. Gostava muito de perceber o teu motivo, porque posso se calhar estar a fazer alguma asneira e isso de publicar coisas de outros seja mesmo uma grande falta de educação. É que o texto é mesmo bom. Julguei que quem não conhece a Cuca ia gostar.
      Desculpa Carla, eu é que tive uma reacção a quente e fui se calhar indelicada.

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    6. Para descomplicar isto tudo e tu perceberes a dimensão da minha sensibilidade, eu conheço, conheci, o outro poeta em causa. É só isto. Basicamente sou uma totó sentimental que ainda não conseguiu lidar com algumas perdas e depois tenho achaques destes. (:

      Como te disse, os textos da Cuca merecem mesmo muito ser lidos, apreciados e partilhados. Fazes bem em ler e partilhar todos os que te toquem. Há tanta porcaria partilhada pela net que toda a partilha das coisas boas é pouca.

      Não tens de pedir desculpa. Estavas tu posta em sossego e cai-te um comentário afectado daqueles... Uma pessoa tem nervos, né? ((:

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    7. Mas olha que eu até gosto que me desassosseguem! Percebi a tua razão. O silêncio de que falavas era afinal outro. Aquilo foi escrito há tempos e pimbas, eu fui lá e trouxe-te tudo de volta. Fico contente por seres a minha Carla, e de não ter iniciado aqui uma revolução sobre direito de propriedade. Achei mesmo que não tinhas levado à paciência eu ter colocado aqui o texto, numa prespectiva de ' olha esta agora a afanar as coisas da minha Cuca!' ;)) Um forte abraço e boa noite Carla.

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    8. Ahaha
      Este rapaz até depois de morto consegue arranjar confusões...
      Beijinhos Carla.

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  2. Dos textos bonitos que já li... este foi um deles. As entrelinhas fascinam-me :)

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  3. Estou aqui na dúvida se agradeço já ou se fico quietinha a ler estas coisas tão boas :)
    Obrigada à Uva pelo destaque.

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  4. Ó Uva, então mas não aprendeu com a Mestra que não se pode alimentar um blogue com links de blogues alheios sob pena de Achincalhamento Eterno na Fogueira dos Infernos da Blogosfera?

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