Supus, creio que bem, que o motivo se prendeu essencialmente com a má imagem que algumas pessoas tinham da figura política do cidadão José Sócrates e consequentemente das falhas que essa mesma figura teve enquanto homem de Estado.
Nunca vi ninguém capaz de separar o político do cidadão. Foram todos inquinados pelas águas impuras do poder, que a todos salpicam, e do seu abuso por parte daqueles que o detêm.
Nunca foi minha intenção defender José Sócrates, mas sim atacar o sistema, nomeadamente o sistema penal português, que de mim merece apenas isso, uma grande e exaltada pena.
Veio agora tudo ao de cima, e verifico que estava certa nas minhas conclusões.
Como se pode verificar o homem foi colocado em 'liberdade'.
Isto seria impensável naquela altura, disseram, como seria impensável agora se nos detivéssemos nos factos.
E o facto é que um cidadão foi preso, sem flagrante delito, e pior, sem possibilidade de saber o motivo da sua prisão, durante meses, por nenhuma questão particular. Só porque sim.
O cidadão José Sócrates, em nenhum momento da sua longa pena, pode defender-se porque pura e simplesmente não conhecia nada da sua acusação.
Reitero o que diz João Araújo (advogado de JS) sobre aquilo que se passou e passa, que é a maior e mais infame injustiça na democracia: a violação dos direitos de defesa.
Nenhum cidadão deveria jamais ser privado da sua liberdade, preso, justa ou injustamente, sem o direito de se defender, sem o acesso total à acusação de que foi alvo, aos documentos produzidos contra si pelo Ministério Público, no momento imediatamente a seguir à prisão.
Passou um ano. É triste.
Também o disse aqui, e volto a dizer, como é que se prende para a vida uma pessoa com base em suspeitas, pressupostos, presunções?
A única presunção que é aceitável é a presunção
constitucional de inocência.
Essa foi francamente e totalmente violada, e continua a ser violada, com o atraso na digitalização dos documentos do processo, única forma que tem de aceder ao direito de se defender.
É uma vergonha.
Estamos completamente subjugados.
E acrescento: sempre que me encontrar com alguém que subjuga, acusa, denigre, ataca, mente, devassa a vida de alguém, sem ter qualquer prova contra essa pessoa, baseando o ataque em fúteis e infundadas presunções, em opiniões alheias cheias de descrença e inveja, subtraindo a essa pessoa uma forma de justa defesa, pensarei imediatamente na melhor forma de lhe transmitir o que isso pode significar para um cidadão, para um ser humano, como eu, com a mesma necessidade e o mesmo direito de quem o acusa, de ser livre e de provar a sua inocência.
É isso que farei sempre.
É exatamente isso que penso fazer.
Já houve outra ocasião, não há muito tempo, em que te disse o que agora repito: estou contigo, Uvy, e não abro.
ResponderEliminarAbraços daqueles cheios de braços.
Obrigada menina azul. I know you know what I mean. As usual.
EliminarSim, loira linda. Deixa-me que te diga que conheço poucas situações mais injustas do que a dos que são apanhados num fogo cruzado.
EliminarTão bem dito.
EliminarTens toda a razão!
ResponderEliminarNão achas estranho que isto se passe nas "democracias" ocidentais? Aliás, no pais que se considera "the land of the free and the home of the brave" aind é mais ridiculo! Um gajo pode ser lançado para um buraco qualquer sem ter acusação formada, sem direito a advogados... Nada! E ficar lá indefinidamente! Não deixa de ser um contra-censo...
Mas não é só nisto que o processo penal peca em Portugal! Peca, sobretudo, pela lentidão tão excessiva que se torna injusto...
...e este é talvez o aspecto que mais desencoraja, por exemplo, investimentos em Portugal!
Uma empresa não está para ficar anos à espera de ver uma resolução de um problema, tantos anos que, se a sua sobrevivência depender dessa resolução a empresa vai à falência antes de ver uma resolução...
...e quando esta chega as pessoas que lá trabalhavam já foram para o desemprego!
Justiça em Portugal? Onde? É que em Portugal a justiça não é só cega...
...é cega, surda,muda e está numa cadeira de rodas, paralisada do pescoço para baixo!
:)
Caro Gil (o nome Gil tem uma reminiscência em mim muito profunda e querida, e sempre que leio o teu nome, emociono-me), isto que se passa passa-se em todos os sítios em que o abuso de poder se agiganta aos direitos que com esse poder se defendem.
EliminarA Europa continental tem um sistema feudal, tem um rei e depois tem uma série de senhores feudais por ali abaixo que prestam vassalagem e obediência ao rei.
Nada mudou desde os tempos de D. João II. Basta lembrar os dois cunhados dele, o Duque de Aveiro e o Duque de Beja, que se rebelam contra o seu poder de autoridade, e ele mata-os no Terreiro do Paço. Executa-os ele mesmo com a sua adaga cortando-lhes o coração. É ele que o faz. Ele tem o poder de direito de vida e de morte dos seus súbditos.
Assim é o Processo Penal em Portugal. Basta substituir o Rei pelo Ministério Público, com os seus juízes que são tudo menos juízes das liberdades e aí tendes a desgraça deste país.
Absolutamente de acordo.
ResponderEliminarNum congresso de juízes, um disse:
" se o século XIX foi o século do poder legislativo e o século XX o do poder executivo, poderá o século XXI vir a ser o século do poder judicial? (...) A emergência do poder judicial responsabiliza-o como um poder público de controlo de outros poderes do Estado.
Essa é uma realidade global, nomeadamente num espaço europeu de Justiça, onde inevitavelmente estamos inseridos."
Aterrador!
Também escrevi um post sobre este "fenómeno" medonho com suporte de outras opiniões.
http://ctmx.blogspot.pt/2015/10/quebrar-espinha-democracia.html
É preciso estarmos todos atentos com a escalada deste poder, o judicial.
:-)
"Subversão do regime democrático por alguns sectores do sistema judicial"
EliminarÉ a justiça do medo: vejam bem o que fizemos a este. Vocês podem ser os próximos.
Está tudo dito.
Obrigada pela partilha do vídeo.
Um abraço Célia.
Uva, eu fui/sou uma das que não consegui/consigo distinguir o cidadão do político. Sendo o exercício da política (devendo ser) o expoente máximo da cidadania é importante que um e outro sejam a mesmíssima pessoa, que não haja máscaras, que não haja virtudes públicas e vícios privados.
ResponderEliminarQuanto ao caso Sócrates, até ao lavar dos cestos será vindima, veremos como acaba o processo (até admito uma absolvição por falta de prova, mas sabes tão bem quanto eu que a prova é revestida de formalidades - imaginemos escutas não autorizadas, está lá tudo, mas não podem ser usadas). Quanto a prender pessoas com base em suspeitas, sem acusação, fazem-no todos os dias, seja para o ladrão, o traficante, o homicida, o burlão (todos beneficiando da mesma presunção de inocência).
O que não invalida que reconheça que o processo penal está cheio de falhas (para os dois lados, uns entendem que há garantias a mais, outros garantem que há garantias a menos), tal como então te disse no post que linkaste.
EliminarVim cá uma segunda vez e acabei por não dizer o que me trouxe cá da primeira, por isso venho uma terceira. O que queria dizer é que realmente grave é, a meu ver, condenar sem julgamento e apenas com base em suspeitas (julgamentos públicos sem direito a contraditório ou qualquer espécie de defesa, fora dos tribunais, são muito comum nos dias de hoje), isso sim, é muitíssimo mais grave do que prender para investigar se ao suspeito forem dadas hipóteses de defesa.
EliminarMironita, bem sei que colaste a figura do político ao do cidadão, mas talvez o tenhas feito de forma diferente, ou seja, não da forma que eu digo que é a forma errada, isto é, culpar o cidadão pela má prestação enquanto político.
EliminarQuero com isto dizer que tu viste a coisa pelo lado da igualdade. Um [o político] não é superior ao outro. Se um vai preso [o cidadão] o outro também vai e deverá ir 'ainda mais preso' porque tem responsabilidades mais elevadas.
Concordo plenamente com o teu juízo.
Mas o que quero dizer é que quando veio a lume que Sócrates poderia ser uma grande aldrabão, ladrão, criminoso, ainda sem o saberem já o condenavam. Claro que era ladrão, era de uma cor política diferente, claro que era aldrabão, deixou o país na bancarrota.
Foi isto que quis dizer. Quis dizer que o cidadão Sócrates nunca beneficiou da presunção de inocência porque já era culpado pelo estado em que deixou o país. E enterraram-nos por isso. E isso é de uma injustiça atroz.
Quer dizer que há favorecimento do poder pelo poder, no mal e no bem.
Sobre o restante caso, agudo, de que falas, sim Mirone. É devastador. Arrasador e deixa-me sem palavras.
Gosto de ti, Uva.
EliminarTens toda a razão. Sempre foi essa a minha posição em relação a este caso, como em relação a outros, também mediáticos.
ResponderEliminarA sede de uma qualquer "justiça"-castigadora a qualquer custo, tolda a visão das pessoas e a leitura objectiva dos factos.
Fazer Justiça não é encarnar o papel de "justiceiro", e essa mesma Justiça devia começar - precisamente - pelo escrupuloso cumprimento da lei e das mais elementares regras processuais e constitucionais. E se o seu desconhecimento é desculpável (será?) para a maioria dos cidadãos, não é admissível que o poder judicial faça tábua rasa delas, de forma tão descarada e gritante.
Também me choca muito ver amigos, advogados, escreverem nas redes sociais opiniões inflamadas e irreflectidas, que roçam o grosseiro, esquecendo-se de tudo o que aprenderam (ou deviam ter aprendido) e atropelando todos os princípios que deviam nortear a sua actuação enquanto bons profissionais.
Sinto vergonha e muito medo deste sistema.
Totalmente de acordo contigo Kikas!
EliminarO problema é que o Processo Penal está todo errado. Toda, de uma ponta à outra!
O direito processual penal, e o direito processual português, não cumpre desde há muito tempo os padrões mínimos de um direito que assegura que as pessoas não sejam perseguidas, não tenham medo.
Desde logo existe o medo de serem presas sem serem acusadas (para não comprometer a instigação) e logo depois o medo de serem absolvidas em instâncias primárias e acusadas nas superiores. Nem sequer sabem, durante anos e anos, porque há a figura do recurso, se estão ou não estão livres.
Isto é absolutamente terrível!
Como é que sabemos que não sabia? Porque o seu Advogado o diz?
ResponderEliminarNão estive no interrogatório, não sei se foi ou não confrontado com os factos que fundamentaram a aplicação da medida, se lhe foram ou não indicados os meios de prova, não sei.
Acho que não deveríamos julgar, condenar, criticar, sem termos acesso a todos os elementos, mas esta ideia tanto vale para os arguidos como para os magistrados, ou seja para quem for (até para o direito processual penal português).
Redonda, o segredo de justiça só foi levantado 27 meses depois da prisão preventiva. O homem não sabia de nada.
EliminarO seu advogado diz que ele não sabia de nada, que nos despachos e decisões não há nada. Não sei, ainda não os li (nem sei se irei ler). Durante o interrogatório judicial ele tem de ser confrontado com os factos e com os meios de prova. Logo, alguma coisa teria de saber :) mas como não estive no interrogatório e não sei se os magistrados cumpriram ou não o que está na lei, vou esperar para saber o que foi tornado público, e nomeadamente se no auto do interrogatório (e no interrogatório que é gravado, e por isso na gravação) não constam, como têm de constar os factos e os meios de prova...
EliminarEle não esteve preso 27 meses. Não chegou sequer a um ano.
EliminarClaro que não Mironita, eu falava do inicio do processo-crime disse erradamente prisão preventiva.
EliminarQueria dizer isto:
Era a segunda vez no mesmo dia que a defesa de Sócrates se deslocava às instalações do número 58 da rua Alexandre Herculano, em Lisboa, para tentar obter uma cópia digital dos autos, depois de já na sexta-feira ter feito questão de visitar o DCIAP para garantir que o procurador Rosário Teixeira, coordenador da investigação ao ex-primeiro-ministro, cumpria mesmo aquilo que o Tribunal da Relação tinha ordenado na véspera, quinta-feira: o acesso integral ao processo, pondo fim ao regime de segredo de justiça interno que vigorava há 27 meses, desde que o inquérito-crime foi aberto. (Expresso)
Uva,
ResponderEliminarNão direi uma palavra sobre o caso concreto, por isso, o meu comentário cinge-se à tua posição sobre o segredo de justiça.
O segredo de justiça é essencial a algumas investigações criminais. Não o inventámos. Os outros países também têm. Não se pode defender o impraticável. Se, por exemplo, num processo de criminalidade altamente organizada se permitisse o acesso ao inquérito, já pensaste o que aconteceria aos informadores e às testemunhas? E de adiantariam as escutas e as vigilâncias se os arguidos já presos pudessem saber da sua existência?
Cuca,
EliminarEu julgo que tu sabes que não sou advogada. Obviamente tenho conhecimentos ad hoc comparados a quem estudou direito a preceito. Sou uma mera observadora da realidade. Mas gosto de aprender e leio muitas coisas diariamente. Passo cerca de 10 a 12 horas do meu dia com advogados e processos e posso dizer que tenho alguns conhecimentos de como se passam as coisas. Mas reitero, não posso comparar-me a advogados ou a outros profissionais da área. Isso seria petulante da minha parte e evocava uma soberba que de resto não tenho.
Sobre o Segredo de Justiça:
O segredo de Justiça já foi eliminado, como regra. O processo penal é público. Se o não for, é nulo. Só há segredo se MP, arguido, ou assistente o requererem e o JIC deferir. (Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto)
Isto é, o segredo de justiça existe apenas formalmente. Na prática, a sua violação a nada conduz.
O segredo de justiço é uma irrealidade, não existe. (Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas)
Aliás fala-se atualmente muito de o deixar cair definitivamente (o que não concordo, em absoluto)
Toda a gente tem acesso a tudo, não há forma de o evitar. SE no caso Sócrates o MP quisesse mesmo ter tudo sob controlo e manter a investigação em segredo não o teriam prendido na rua, não teriam chamado o CM e não teriam afirmado que o prenderam para o pobre não atrapalhar a investigação. Então? Tornaram ou não público eles próprios aquilo que é o tal segredo de justiça? Pouico depois já toda a gente saboa quem eram os informadores (bancos da suíça etc) e tudo foi ventilado para matar (na minha opinião) o homem político.
A tua preocupação (que também é minha) é a de que o segredo de justiça seja definitivamente eliminado pois colocaria em causa a garantia da eficácia da investigação, a segurança das eventuais vítimas e a reputação do próprio suspeito.
Além do mais tu dizes que o processo penal em Portugal é uma vergonha mas pelo que escreveste neste post e naqueles que aqui referes, é evidente que tu não conheces o processo penal. Em fase de inquérito não há acusação. A acusação põe fim ao inquérito. Não se pode mostrar aos arguidos aquilo que por definição não existe nessa fase. No entanto, nenhuma medida de coação, com exceção do TIR, é aplicada sem se comunicar aos arguidos os factos que o MP considera estarem indiciados e os meios de prova que os sustentam. E isto acontece SEMPRE sob pena de nulidade da decisão. Ao contrário do que tu dizes, não há ninguém preso preventivamente sem saber quais são os factos que lhe são imputados e em que provas assentam tais factos. Aquilo que podem não saber - nos casos em que há segredo de justiça - são outros elementos (não essenciais para a decisão a proferir sobre medidas de coação).
ResponderEliminarÉ evidente que tenho poucos conhecimento do processo penal. Mas sei exatatmente como funciona. Funciona mal. Dizes tu que 'nenhuma medida de coação, com exceção do TIR, é aplicada sem se comunicar aos arguidos os factos que o MP considera estarem indiciados e os meios de prova que os sustentam'. Nada mais errado para o caso em questão. O homem foi preso na rua, sem flagrante delito, sem saber absolutamente nada do que se passava. Foi levado para inquérito. Disseram-lhe sumariamente o que se estava a passar. Suposições, presunções. Não teve acesso à acusação do MP. E digo isto, sem te desdizer a ti. O que dizes é certíssimo, não é isso que está em causa. Mas é mal feito e ijunsto. Se um processo de acusação é apenas conhecido da defesa 1 ano depois, dá mais largas à acusação para o instruir. Agora tem a defesa, sem saber em que dados se baseou a acusação, de fazer um contaditório, defendendo-se, vê bem, de nada menos do que 18 mil páginas....
EliminarQuebraram 27 meses depois o segredo de justiça para que o homem se pudesse defender.
Não sou da tua opinião quando dizes não há ninguém preso preventivamente sem saber quais são os factos que lhe são imputados e em que provas assentam tais factos, pelo simples motivo que ainda nem sequer existem factos, porque factos só passam a factos se forem efetivamente provados e que eu saiba ainda não se fez prova de nada.
A verdade Cuca, a verdade é que o que foi aqui totalmente desrespeitado e é constantemente desrespeitado pelo processo penal (pelos que detém o poder) é que prendem as pessoas como querem, quando querem, sem terem muitas vezes provas cabais e inequívocas de que prenderam um criminoso (o caso da mãe da Joana - nunca se encontrou a Joana morta mas a mãe está presa por a ter matado) desfazendo aquilo que é o mais precioso bem de quem se vê na situação de réu: o direito constitucional da presunção da inocência.
Uva, não teve acesso à acusação do MP porque ela só vai existir no fim do inquérito. Hoje, com o levantamento do segredo de justiça, ele continua a não ter acesso à acusação porque simplesmente ela não foi deduzida.
EliminarImagina que a acusação é um relatório que tens de fazer. Até podes ter um esboço do que pensas escrever, mas primeiro recolhes os dados que entendes, depois seleccionas os dados relevantes e os não relevantes, até podes ir tomando umas notas, mas isso não é o relatório. O relatório será o documento final a que essa investigação e reunião de dados conduziu. Assim é, grosso modo, a acusação.
Uva, gosto muito de ti e do teu blog mas, neste caso, não tens razão no que dizes quanto ao processo penal português.
ResponderEliminar;)
EliminarHavemos de debater melhor este assunto. Tenho bué de cenas para dizer sobre ele e nessa altura espero muito uma ajuda tua. É realmente um assunto que precisa ficar esclarecido na minha cabeça dura.
És uma miúda impecável Cuca, mesmo quando discordas de mim, e eu também gosto muito de ti.
Estou a fazer uma sondagem Faustiana sobre um assunto muito mais importante: por que coisa venderias a alma. Vai lá responder-me que essas coisas é que importam!
Eliminar:)