20 de janeiro de 2016

Escola boa / Escola má

Desde há muito que venho discutindo com os meus pares a diferença entre a escola pública e a escola privada.
A escola é o espelho das famílias. Não é preciso vasculhar nas gavetas ou ser-se mosca para perceber o que se passa nos lares portugueses. Basta estar com alguma atenção às notícias e à quantidade de vezes que os professores alegam problemas psicológicos para meter o velhinho 'atestado', para perceber o abalo que as famílias impõem à escola.
E se as famílias são alvo de massacre, austeridade e falta de apoio para sair da pobreza e da precariedade, e se as famílias experienciam a cada período escolar a mudança das regras do jogo, e se a cada dia há um problema novo para resolver em casa, e que passa também pela total falta de decência do Estado pela instituição família-escola, então a escola e todo o ambiente escolar vai ser isso mesmo: massacrante, austero, insuportável,  e cheio de pobrezas localizadas e generalizadas.
A escola passa a ser sobretudo o hospedeiro da doença má, que abala as famílias.

A minha opinião é muito objetiva embora totalmente quinada pela minha experiência profissional e pessoal: se a população escolar for fraca, se for maioritariamente delinquente, se provier de famílias desajustadas e de bairros problemáticos, se a família for de pouca ou fraca instrução, descrente das possibilidades  da frequência escolar, e patologicamente descrente no próprio futuro, então a escola torna-se um espelho disso mesmo, e por melhores intenções que tenham os professores, ou o sistema por eles, pois, limito-me a dizer: não há heróis.

Fui acérrima defensora, contra a minha mãe, de que uma criança educada no ensino particular teria mais oportunidades na vida, melhores exemplos, colegas mais educados, pais preocupados, corpo docente mais estabilizado e responsável, sobretudo por terem a possibilidade de construir dentro da escola uma verdadeira carreira profissional, ao invés de andarem a calcorrear o país à procura de uma qualquer colocação, sinistros profissionais da estrada, dos quartos alugados e das filas desamparadas do desemprego.

Não vou dizer de caras que mudei de opinião quanto a isto. Continuo a ter uma visão muito romântica do ensino privado, continuo a achar que há famílias que dão o tudo por tudo para colocar os filhos num ensino mais 'fiável', com mais mérito, com menos problemas ou 'outro tipo de problemas', só porque apostam a própria vida na formação dos filhos, que podem ou não vir a formar-se.
Mas isso é outro bico de obra.
Reconheço no entanto a máxima qualidade a algumas escolas do ensino público, reconheço até muita qualidade em algumas escolas públicas rarefeitas pela degradação familiar, porquanto muitas delas continuam a fazer um ótimo trabalho com uma população escolar quase incapaz de trabalhar.

Sou Assistente Social e [por isso] assisti durante anos à degradação das escolas públicas dos bairros sociais, sobretudo as escolas de intervenção prioritária (TEIP).
Mas aqui, é preciso dizê-lo, as escolas eram 99% problemas sociais, o que escamoteava, e muito, a restante população escolar que se ia safando com algum aproveitamento escolar, no meio da gravilha poeirenta e lamacenta do pátio.
Depois, quando abandonei a periferia composta por edifícios fabris abandonados, e muito absentismo anuído, sobretudo no seio de algumas comunidades, para regressar definitivamente ao meio urbano mais rico, deixei para trás uma população esfrangalhada pela reprodução social de pobreza, e tive acesso a uma noção intermédia de escola, ou seja, fui capaz de perceber aquilo que a minha mãe sempre defendeu.
A verdadeira 'escola pública', o local onde nos dão todas as ferramentas para a sobreviver às idiossincrasias da vida e dos outros, mesmo que essa ferramenta seja um imenso compêndio sobre 'Como escapar ileso à escola pública'.
E no fundo pouco mais há além disso, nesta escola pública de hoje. Um enorme livro cuja única história se repete, e repetirá: salve-se quem puder, a caminho do ensino privado.

Na linha final da minha aventura pelo Serviço Social de intervenção, fui destacada para uma escola de currículos alternativos, situada no meio de um dos bairros mais chiques de Lisboa, com o objectivo de reduzir o abandono escolar, detectar situações de risco familiar, e convencer as famílias que a frequentar a escola é a única luz tremeluzente no fundo do buraco.
Impressionante.
Vi de perto a multiplicidade, a heterogeneidade, as diferenças nítidas entre classes sociais dentro da sala de aula, agora como profissional. Foi uma espécie de afastamento do centro da batalha, onde me encontrava quando era aluna, para me posicionar acima dos conflitos, e ver mais nitidamente o 'cenário de guerra'.
Afasta-te se queres ver melhor.

A escola dividia-se no pátio em dois grupos distintos, numa espécie de segregação natural de classes, cada vez mais gritante nos dias de hoje: o gueto criado pelos alunos provindos dos bairros sociais da Liberdade e Serafina, barulhentos, quezilentos, andrajosos e velhos para a idade, e as meninas do bairro chique, muito betinhas, muito compostinhas, com roupas de marca e telemóveis topo de gama, que combinavam festas de aniversário em restaurantes nouvelle cuisine.
Tentava perceber se a 'técnica' muito em voga na altura - também a nível habitacional (veja-se por exemplo o caso do Bairro Padre Cruz onde casas de 300 000,00 € envolvem um bairro social paupérrimo) -, daria frutos positivos por osmose, isto é, se os bons meninos e meninas do bairro poderiam contaminar de bons exemplos os meninos de ranho na venta, filhos das mães que se ausentavam de casa, à noite, para trazer o sustento do Monsanto.

Nada.
Não havia qualquer espécie de contaminação positiva. Os meninos da Serafina continuavam nos currículos alternativos, abandonando a escola à primeira oportunidade, e os meninos do bairro continuavam progredindo com os seus estudos, muito incomodados, muito queixosos dos outros, barulhentos, quezilentos, andrajosos e velhos para a idade, que lhes detinham a matéria ininterruptamente e os faziam perder as oportunidades universitárias.
Diria que a única coisa que crescia naquela escola era a tensão entre os alunos, os assaltos ao portão, diários e instancáveis, e os problemas graves de autoridade dentro da sala de aula.
E muitas mães-leoas, gritando impropérios aos professores, com as mãos postas nas redes, sobre os maus resultados dos meninos pobres.
Isto é a escola pública.

Por um lado uma displicência, um azedume, uma raiva enorme perante a obrigatoriedade de convivência. Estou certa que se pudessem, a meninas do Bairro zarpavam no primeiro barco que lhe aparecesse à frente, e faziam-no amiúde, é certo, fugindo para o ECI, matando não as aulas mas os intervalos.
O oposto também é verdadeiro. Aqueles miúdos que nunca se identificaram com as regras do sistema de ensino, criavam laços de inimizade, arranjavam conflitos com quase todos os alunos de outras áreas de habitação de complexos de inferioridade e de desesperança.
A comparação era frenética e desoladora.
Na escola preparatória do meu bairro, e só no ano passado, tivemos notícia de dois casos de abuso sexual. Os marmanjos do bairro social atacaram as meninas do 5º ano, cheias de medo, com as barbies na mochila. 
Isto é a escola pública.
Isto é a vida privada.

A escola pública, atenta a este progresso negativo nos rankings escolares, esforça-se por afastar as famílias mais problemáticas, esforça-se por inventar delimitações urbanisticas que evitam que os meninos do Padre Cruz debotem a escola de Telheiras, ou que os meninos da Alta de Lisboa sujem de lama a Escola do Lumiar.
Esforça-se sobretudo em afastar os neons pisca-pisca que lhes pairam sobre a cabeça, qual espada.
Assistimos, por tudo isto, a uma cada vez maior formação de getos escolares, a situações onde o surrealismo e a demência vencem a humanidade, onde se fazem turmas só de ciganos, onde se identificam escolas TEIP onde só falta o neon a piscar dia e noite por cima do portão: ATENÇÃO! Escola faminta! Só se aceitam alunos precários. Obrigada.

E na verdade é isto que se pega por osmose no mercado de trabalho, onde um adulto inteligente é preterido a uma boazuda burra. Onde um profissional experiente com mais 20 anos é preterido a um miúdo que não sabe fazer uma cama, lavar uma loiça, fazer um relatório de 5 páginas sem dar 180 erros. Porque a imagem é tudo, e o que temos dentro de nós é nada.
Não há por onde escapar a esta segregação social, e é por aí que vamos: poluindo a família, a escola e por fim todo o ambiente.
Morreremos de aparências, dando de comer aos animais doentes.

A escola má é somente o resultado das más políticas de apoio às famílias e ao crescente esmero por parte do Estado em proteger cada vez mais os ricos, espezinhando os pobres.
Quisessem eles transformar todas as escolas más em escolas boas e o ensino privado não criava estas raízes falsas por todo o lado, dando uma noção errada de que só o que é privado é bom, fazendo-nos crer que as quimeras educacionais a que temos direito estão-nos vedadas para sempre.
A escola má existe porque as famílias estão completamente atulhadas em problemas, e é preciso notar que os professores também têm o mesmo tipo de famílias.
Quando alguém contrata um Ministro que foi um menino bem de uma escola privada, que raio vai ele perceber das importãncias da vida de uma família pobre?
As elites não sabem governar porque não conhecem a parte bolorenta do pão.
Esta vida não é só queijo.

Continuem a massacrar o ensino público com Ministros cegos e surdos aos problemas das famílias, meninos sem experiência de vida, bonitinhos, muito cultos, cheios de pós doutoramentos, mas totalmente incapazes, continuem a dar aulas em contentores para conseguirem pagar as mordomias da escola privada e dos colégios bem, e qualquer dia hão de vir dizer que voltámos ao tempo em que só estudava quem tinha dinheiro.
E eu vou-me rir muito de ver os ricos-estudados a trabalhar, quando os pobres que trabalham não souberem uma letra do tamanho de um comboio.

22 comentários:

  1. Muito bem redigido! Não perdi uma linha!
    Isto é muito verdade. Andei numa privada desde a infantil até ao 4º ano. Quando chegou ao tempo de mudar de escola, tentámos todos os colégios de Lisboa. Tudo cheio e sem vagas (aqui, não fizemos uso da cunha, pois assim teria tido vaga em 2 deles, mas adiante). Lá fui eu para uma escola pública do 5º ao 9º, e para outra do 10º ao 12º.
    A quem me pergunta, digo sempre o mesmo: detestei a escola pública. Não pelas más condições das salas, isso ainda se aguentava, mas pelos referidos grupos que aqui são falados. Numa das escolas, havia muitos miúdos de bairros terríveis. Dentro da sala de aula, espalhavam o terror. Eu, e mais uns quantos que éramos os "bons meninos", vá, quase morríamos de medo daquilo. A pior para mim foi o colocarem pioneses na cadeira da prof, coitada :/ Nos recreios, também era horrível. Nunca tive, graças a deus, problemas como os abusos sexuais aqui também falados, com nenhuns deles (a não ser muitas apalpadelas, inclusive com um a saltar-me para cima das costas, mas a quem ninguém fazia nada. Era a minha palavra contra a deles), porque também me tentava afastar mas sem me dar mal com ninguém. Mas esta insegurança, até mesmo dentro da sala, é péssima para um aluno, seja ele de que classe social ou família for.
    E depois é o costume. Os maus alunos, ficam para ali. Os bons, merecem as graças dos professores.
    Também não sei qual seria a solução para isto. Só sei que hoje, tenho imensa pena de não termos usado as ditas "cunhas", pois teria melhores recordações desses tempos. Andei nos 2 sistemas de escolas, e não há comparação possível.
    Há sempre gente boa e má em todo o lado, a educação vem do ninho e não da escola, mas na minha pequena experiência de vida, não sei como resolver o problema da falta dela quando começa a ser evidente que prejudica outras pessoas, para além dos próprios.
    Este é um assunto que dá pano para mangas. E gostei de ver a perspectiva de quem, todos os dias, trabalha com estes casos.
    Sem tendências políticas, sem ideias saídas da gaveta. Muito enriquecedor :)
    Admiro as pessoas que têm este trabalho e dedicação para com os outros. Eu não teria estofo para o fazer, mas ainda bem que há quem tenha e, acima de tudo, que goste do que faz :)
    E por aqui me fico, que isto mais parece uma carta hehe

    um beijinho*

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    1. Um beijinho e obrigada pelo teu testemunho. SEi muito bem do que falas, muito bem mesmo.

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  2. Todos os dias estou com turmas de 30 alunos, de 90 em 90 minutos. Muitos estão lá porque são obrigados. Alguns irritam-se,perturbam, outros faltam o que podem, outros, ainda, disfarçam o desinteresse olhando o manual sem ver o que lá está. Cada aula é uma luta. "Setôra, não sei!", "Setôra, sou burro!", Setôra, deixe-me em paz!". Continuo a dizer-lhes que não há burros, que sabem alguma coisa pois chegaram ao 10º ano, que vão conseguir. Confesso que, às vezes, a atitude é mais exterior do que interior, pois sinto que muitos deles nunca ultrapassarão as dificuldades, agravadas pela pobreza material e moral em que vivem, em que os fazem viver.
    Se desisto deles? Não! Mas que ando muitas vezes morta por dentro, ando!

    Beijos, Uvinha :)

    *muitos colegas do privado dizem que são uns sortudos já que os alunos são escolhidos e, ainda assim, se derem problemas ou tiverem más classificações,são convidados a sair.

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    1. Aulas de 90 minutos é de enlouquecer qualquer um, professor ou aluno. Não sei de onde retiraram essa ideia.
      Tu sabes bem do que falo. A escola é um espelho da família e não há volta a dar.

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  3. Querida Uva Passa,
    Eu também quero um ensino público de excelência. Entretanto, os meus filhos frequentam o ensino privado. (É desta que se aborrece comigo?)
    E, no entanto, acredito nesse ideal que é a escola pública. Mais, tenho-o como o expoente de escola.
    Um beijo,
    Outro Ente.

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    1. Claro que os tem numa escola privada. Por estes dias, qualquer pessoa no seu prefeito juízo, em podendo, põe os filhos numa escola privada.
      Pudesse eu.
      Mas não posso e por isso ainda acredito que a quimera é possível.

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    2. Possível será. Mas também aí a família é a célula.

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    3. Eu podia optar por uma escola privada e escolhi a pública a partir do 5º ano. O meu filho cresceu na escola pública, em turmas com alunos de todas as origens, com aproveitamento díspar, e é hoje um homem capaz e íntegro.

      Beijos :)

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  4. Pára tudo... Mas a Uva não é advogada? Não trabalha no Rule of Law? :O

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    1. A Uva não é advogada não senhora. Não sei de onde tirou essa ideia.
      A Uva foi formadinha no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (ISSL), nos idos 1996-2001, e fez uma PG em Recursos Humanos para tomar conta de uma grande equipa de enfermeiros e ajudantes familiares. Entretanto por coisas cá da minha vida, nomeadamente parvas, ingressou num Rule of Law apinhado de advogados (e outras criaturas estranhas) onde presta serviços sociais e outros de natureza vária e esdrúxula. A Uva é na verdade uma dissidente profissional.
      A Uva é a Super-Secretária.

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    2. É o Instituto dos Mártires da Pátria? Aquele que já não existe? A minha mãe também tirou aí a licenciatura mas muitos anos antes :)

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    3. Sim senhora, esse mesmo, o falido. A tua mãe é Assistente Social?

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    4. Sim, a exercer há para aí 30 anos...tenho o maior respeito pela profissão. Não pela Licenciatura em si porque já se sabe que a malta das Engenharias acho que tudo o resto é peanuts (ahahah), mas pelo exercício da profissão em si. Absolutamente esgotante a nível psicológico.

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  5. O meu dilema será entre metê-los na escola pública, estar mais presente para eles e termos mais qualidade de vida a vários níveis ou metê-los no privado e trabalhar todos os dias até muito tarde (sou o membro do casal que tem possibilidade de auferir mais), vivendo em função das despesas mas sabendo que posso escolher o sitio que quero que eles estejam. Qualquer uma das escolhas implica custos elevados mas para já estou inclinada para a primeira opção...mas acho que só o tempo e os acontecimentos irão realmente ditar o que faremos.
    Trabalhei numa agrupamento de escolas num bairro social da Amadora e sei bem o que descreves. Por outro lado, há escolas privadas das quais tenho péssima impressão, cheia de betinhos com requintes de malvadez e um espirito competitivo que me dá vómitos. As escolas privadas que mais me "puxam" são as que apresentam pedagogias alternativas (não só pela pedagogia em si que é discutível mas porque muitos dos pais que colocam lá os filhos valorizam outro tipo de coisas que eu também valorizo, havendo uma maior facilidade de sintonia colectiva e consequentemente reflectindo-se isso nas crianças), portanto a minha questão não é tanto o publico ou o privado mas mergulhar no sistema educativo tradicional que me dá alergias ou proporcionar-lhes algo que vai mais ao encontro daquilo em que acredito.

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    1. Problemas na escola pública o meu filho só teve com "betinhos"
      Peço desculpa por comentar como anónima, mas não tenho contas que me permitam a identificação. No entanto, gostaria de dar o meu testemunho sobre um assunto que me é muito querido e sobre o qual tenho um ponto de vista diferente da maioria. De facto, o meu filho sempre andou na escola pública porque eu assim o entendi devido a ter tido uma muito má experiência com bullying em escolas privadas. Posto isto, não foi por o meu filho ter andado sempre em escolas públicas que ele não deixou de ser um excelente aluno, entrar para a universidade que ele quis para o curso que ele quis e mesmo antes de ter acabado o curso ter tido várias propostas de emprego, encontrando-se hoje num emprego estável com uma remuneração bem razoável e a fazer o que gosta. Afirmo mesmo que teve uma preparação escolar muito boa e que a maioria dos professores faziam verdadeiros milagres com as condições em que trabalhavam. Posso afirmar também que nunca me deu problemas nenhuns e que hoje é um jovem adulto de bem com a vida, se bem que um pouco tímido.
      Foi precisamente essa timidez que estará na razão dos problemas que teve na escola pública entre o 6º e o 9º ano, devido a ter sido vitima de bullying por parte dos chamados meninos "betinhos" e nunca por parte dos meninos dos bairros sociais e problemáticos que até se davam bem com ele e alguns deles até eram bastante amigos dele porque ele os defendia da crueldade dos meninos "ricos". Acho, e a experiência da vida cada vez mais me dá razão, que a crueldade psicológica deixa muitas vezes mais marcas para a vida que a crueldade física.
      Claro que os pais destes meninos "ricos" eram chamados à atenção e invariavelmente respodiam sempre que era impossível, porque o menino era um amor e as "criadas" até diziam que o menino era um anjinho. Posto isto, os meninos lá continuavam com os seus passatempos adoráveis de humilhação aos outros alunos.
      No 10º ano foi colocado numa turma em que apenas ele e outro colega vinham de escolas públicas. Os pais dos meninos que vinham dos colégios ao saberem isto, questionaram a Diretora de Turma sobre a possibilidade destes dois alunos de escolas públicas irem perturbar o funcionamento das aulas e a aprendizagem e estavam muito preocupados com a ideia. Na altura a Diretora de Turma apenas respondeu que os dois alunos da escola pública tinham tido melhores notas nos exames nacionais que os outros e que duvidava que eles criassem problemas. Com o tempo veio a verificar-se que o meu filho e o colega da escola pública foram sempre alunos brilhantes e muito mais bem comportados que os meninos dos colégios.
      Moral que eu retiro desta longa história: optar por escola pública ou privada para mim não tem relevância, o que conta mesmo é o ambiente familiar e os valores que incutimos aos nosssos filhos e o apoio que lhes damos.
      Ou seja, o produto final nunca será mau, se a matéria-prima for boa.

      Graça

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    2. Há miúdos muito estúpidos, e passo a expressão, que dão cabo da vida dos colegas. Eu fui vitima de bullying no 5º e 6º ano numa escola pública onde havia todo o tipo de alunos. Alguns desses alunos são médicos, advogados, farmacêuticos, empresários. Gente de bem com a vida e bem na vida. São meus amigos e foi lá que nos fizemos, uns mulhor outros pior. Mas muitos houve que foram contaminando outros, que enveredaram por caminhos tristes, da droga e da delinquência, alguns meus amigos também. De entre esses que eram meus colegas, alguns eram 'ricos' e tinham muitos bens materiais. E liberdade a mais. Desses muito ricos, posso adiantar que um punhado deles enveredou pela vida da droga e da delinquência, assim, sem mais.
      Houve, aliás, quem perdesse a vida.
      Não há uma regra específica e uma fórmula certa. Meninos betinhos metidos na merda conheço às pazadas. Famílias riquíssimas que ficaram sem nada à conta da heroína, conheço bastantes.
      Os meninos dos colégios são iguais aos outros meninos mas os comportamentos desviantes que são comuns aos dois grupos são na sua essência diferentes. Os betinhos não andam a palmar carteiras no portão da escola, não se metem a assaltar lojas de roupa para roubar um par de ténis Nike e raramente tem registo criminal até aos 18 anos. São malévolos porque são estupidificados pelo materialismo e pelo preconceito que têm em casa. Também fumam e também vão para Santos beber shots de tequilha, mas em última instância voltam sempre para a escola, e estudam, porque é esse o exemplo que têm em casa e que vêem nos filhos dos amigos dos pais, o que não acontece com grande parte dos delinquentes juvenis da escola miserável do bairro. A família é o cerne de tudo, a seguir a escola e depois o bairro. A minha tese foi sobre esse tema da delinquência juvenil e está mais actual que nunca. Se não há bases em casa os miúdos absorvem as regras da escola, e se a escola for uma merda os miúdos absorvem as regras do bairro, que é sempre hostil. Se a família for boa e a escola uma merda, há hipóteses melhores de ter um final feliz, mas se falham os dois (e não há famílias perfeitas) falha quase tudo.
      A minha teoria é esta, se eu puder dar à minha filha dois positivos e um negativo, ou um positivo e um mais ou menos, já é bom. Agora se a enfio numa escola de merda, num bairro de merda, plim! E eu sou uma família 'amiga'.
      Eu vivia num bairro com graves problemas sociais e a ML iria para uma escola de merda. Ora, era brincar com o fogo. Vim para um bairro mais fixe e a ML vai para uma pública fixe. Reduzo as hipóteses de falhar, mas nunca as elimino por completo. Isso é impossível, mesmo na escola boa, na família boa e com um bairro excelente.
      E depois há professores maravilhosos que fazem de miúdos terríveis, oriundos de famílias terríveis e de bairros famigerados, que chegam longe. Desses devemos ter orgulho, são a tal quimera da escola pública.

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    3. Na essência tudo o que diz corrobora o que eu quis dizer. Se o apoio em casa for bom as hipóteses de sucesso são acrescidas, independentemente da escola (claro que uma escola melhor numa zona melhor aumenta essas hipóteses).
      Concordo quando diz que os comportamentos desviantes praticados são diferentes nos dois grupos sociais.
      No entanto, sinceramente (e provavelmente estou a fazer uma análise enviesada, porque é dificil ajuizar de outro modo) não consigo discernir qual a experiência de bullying que deixa mais marcas psicológicas num ser em formação: se passar pela experiência de lhe roubarem um bem pessoal se as humilhações sofridas por parte dos filhos das classes privilegiadas. Do mesmo modo, continuo a achar que um bom aluno com bases familiares estáveis será sempre um bom aluno em qualquer lugar que estude, mas claro que posso estar errada.
      Infelizmente, vivemos numa sociedade em que tendencialmente os filhos das classes privilegiadas, apesar de toda a porcaria que possam fazer enquanto seres vivos, estudam, tiram cursos (nem que sejam cursos como alguns nossos governantes) e arranjam bons empregos, muitas vezes à conta do factor "C", mantendo assim o estilo de vida dos pais. Os filhos das classes problemáticas, muito dificilmente escaparão à sua condição social deprimente. Claro, que como em tudo existem excepções, mas estas são cada vez em menor número, devido às circunstâncias que o país atravessa. É um circulo vicioso que se fecha sobre as pessoas e não as deixa sair.
      Já agora se me permite fica aqui a questão: e se a família for uma "bosta" e a escola for boa, haverá resultados posítivos? existirão estudos sobre a experiência de introduzir algumas crianças de classes de baixos recursos, oriundas de bairros problemáticos, em colégios de topo? Quais os resultados obtidos?. Tenho a sensação que os resultados não seriam inversamente proporcionais, porque a família será sempre o cerne da questão.
      Não entro pelo radicalismo de diabolizar a escola pública e "endeusar" a escola privada, simplesmente porque conheço bem demais as condições e métodos de uns e outros para saber que nem uns nem outros correspondem à imagem que foi criada. Há muitas outras questões e factores a serem tidos em conta, alguns dos quais não são conhecidos pela maior parte das pessoas.
      Peço desculpa por me alongar, e prometo não maçar mais sobre o assunto. No entanto, escrever estas linhas todas foi superior à minha razão, perdão pelo abuso.
      Beijinhos
      Graça
      P.S. Gosto muito de ler o que escreve, mesmo que não concorde com tudo.

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  6. Essa é uma questão que se coloca mais nas grandes cidades como Lisboa e Porto. Cidades mais pequenas, por não terem bairros degradados ou grandes focos de população desestruturada, têm escolas públicas seguras e estáveis, onde colocar as crianças em colégios é visto mais como uma exibição de poder económico do que outra coisa.

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    1. Não concordo.
      É uma questão totalmente generalizada. Escolas públicas (não estamos a falar das primárias nas aldeias)ou como se chamam agora os 'agrupamentos' foram todos desviadas para centros populacionais maiores, especialmente nas zonas mais rurais, sentindo-se de igual maneira os focos que aqui falamos.
      A população mais desestruturada e com maiores problemas, arrisco, encontra-se muito enraizada nas cidades mais pequenas onde grassa o forte desemprego e as diferenças sociais advindas. Foi inclusive nos meios mais pequenos (freguesias) que encontrei os maiores problemas: Abóboda, Matos-Cheirinhos, São Domingos de Rana,Rabo de Peixe, etc. A escola pública não é segura e a estabilidade é um sonho. Só na questão dos professores vai logo metade da sua teoria.
      Mas há casos, e se calhar baseia a sua opinião no seu caso pessoal.

      Veja esta lista (fonte: Expresso)das escolas mais problemáticas em Portugal:

      EB23 e ES Monte da Caparica; EB23 Trafaria e EB23 do Miradouro de Alfazina, todas em Almada.
      EB2 Pedro d'Orey da Cunha; ES/23 Azevedo Neves; EB23 José Cardoso Pires; todas na Amadora.
      EB23 Fânzeres, em Gondomar.
      EB1 Arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles; EB23 Pintor Almada Negreiros; EB23 piscinas dos Olivais; todas em Lisboa.
      B23 Bartolomeu Dias; EB1 Apelação, as duas em Loures.
      EB23 Matosinhos; EB23 Professor Oscar Lopes; EB23 Perafita, ambas em Matosinhos.
      EB23 Pedrouços, na Maia.
      EB23 Vale da Amoreira, na Moita.
      EB1 Sophia de Mello Breyner, em Oeiras.
      EB23 Dr Leonardo de Coimbra; EB23 Pêro Vaz de Caminha; EB23 Miragaia; EB23 Ramalho Ortigão; EB23 Areosa; EB23 Viso; EB23 Cerco; ES Cerco, todas no Porto.
      EB23 Belavista, em Setúbal.
      EB23 Agostinho da Silva; EB23 Ferreira de Castro, ambas em Sintra.
      EB23 Vialonga, em Vila Franca de Xira.
      EB23 Vila d'este; EB23 Canidelo; ES Inês de Castro, em Vila Nova de Gaia.

      A Moita é um cochicho, gente simples e pacata. E ali está ela.

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    2. Lá está, todas as que surgem na lista (com a excepção de Setúbal que tem os seus problemas específicos) encaixam-se bem nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto- se fossem notícias, nos jornais apareciam classificadas na Grande Lisboa ou Grande Porto.

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  7. Fantástica Uva! Num texto que aborda um assunto tão directo e cru, ainda assim conseguiu emocionar-me! Porque tudo isto me revolve as entranhas. Esta merda desta segregação, fábrica de pessoas postas à margem.
    "As elites não sabem governar porque não conhecem a parte bolorenta do pão.
    Esta vida não é só queijo."
    Não é só queijo, não. Tem pão muito duro, de muitos dias!

    Obrigada!

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  8. Não há escolas privadas em Portugal, ""mamam todas no Estado.Os pobrezinhos que têm os filhos na escola pública pagam, com os seus impostos, aos menos pobrezinhos para terem os seus numa privada. Viva a justiça social.

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