17 de março de 2016

Underground

Eu agora ando de Metro. Demoro menos de 10 minutos a chegar ao Rule of Law.
Mas o engraçado disto não é o básico da coisa, o ganho absurdo de tempo que tenho em relação ao passado, não, o engraçado disto é que passei de uma análise sociológica unipessoal, isto é, da observação de apenas uma pessoa, do V. (que me levava e trazia todos os dias, coitado) para uma análise sociológica gigante, uma mole imensa de pessoas diferentes que comigo viajam diariamente no transporte coletivo mais esdrúxulo do país.
Vou falar-vos da análise de hoje.

Faço 2 estações: Saldanha - Marquês. Em Picoas a voz off do Metro, uma rapariga monocórdica provavelmente aparentada do Bruno de Carvalho, informa os passageiros de que há perturbações na linha amarela e que o tempo de espera pode ser superior ao normal. Tudo legal. Deixei-me estar exatamente onde estava - agarrada ao varão, espreitando de quando em vez a minha imagem refletida no vidro. Serena e calma.
O que se passou a seguir é no mínimo, estúpido.

A voz of dá novamente a intempestiva informação.
Ouve-se um burburinho, um vento na palha que trespassa o comboio e se fina nos meus ouvidos.
De repente, um brasileiro danado levanta-se bruscamente do banco e sai furioso da composição. Manda um braço ao ar, faz o sinal um a tomar banho e dois a apanhar o sabonete, em direção ao altifalante, e segue estugando o passo com a mochila soldada às costas. Desaparece.
Em menos de nada saem apressadas cerca de 15 pessoas, na minha opinião precipitadamente. Mas quem sou eu.
Ainda só passou um minuto desde a informação da voz off.
À minha frente um grupo de três adolescente parece divertido com a situação. Há pessoas que desconhecendo o que ali se passa, e acabadas de chegar aos cais, entram a correr na composição com medo que se fechem as portas. Os adolescentes riem a bandeiras despregadas com esta cómica situação. Quem tem a informação tem o poder. São o elo mais fraco. Correm, cansam-se, para ficar à espera. Também acho graça mas como não sou adolescente contenho a gargalhada. É pena. Dizem que rir faz as pessoas mais novas.
Passam 3 minutos desde que a voz off interveio na rotina matinal dos passageiros. Ao meu lado, inquietos, dois alemães altíssimos olham para o mapa do Metro e encolhem diversas vezes os ombros. Viram-se para mim só porque temos o cabelo da mesma cor.
- Escusemi.
- Diga lá.
- Whatss apenants??
- Troubles. 10 minutes, tuenti, e seguimos - digo eu muito sorridente. Somos muito hospitaleiros.
- Ok. Tanques.
Gringos. Não entendo o que fazem em Portugal em Março, com um frio do caraças. Também abandonam a carruagem - claro, são muito evoluídos - sempre com a cabeça no ar à espera que lhes caia alguma explicação em alemão em cima da cabeça sobre os troubles.
Passam 4 minutos desde que o Metro estancou em Picoas. Quando olho em volta já só me restam uns 4 ou 5 vizinhos numa carruagem de 6 composições.
A debandada foi total.
Subitamente a composição fecha as portas e segue caminho. No cais diversas pessoas vociferam contra o que parece ser a normalidade: o metro seguir o seu caminho depois de uma pequena paragem de 5 minutos. Apanhadas de surpresa, muitas lançam-se para a linha.
É um suicídio coletivo.
Fulminante.

25 comentários:

  1. Pá, de uma analise sociológica do Metro consegues uma do país...

    :)

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    1. Só me saem é duques no baralho. Às vezes acho que as pessoas são todas parvas.
      Mas se calhar são só apressadas.

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    2. Talvez, andem de metro à mais tempo que tu, e já não tenham paciência.
      Que bom é viver na província, e a nossa maior pressa seja chegar ao emprego a horas certas, apenas porque nos levantamos tarde eheheheh
      :))

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    3. Eu tenho praticamente 40 anos. Andei de metro dos 19 até 2008. Conheço o metro como as palmas das minhas mãos. Mas tenho uma coisa que eles não têm. Resiliência. E não saio de casa 3 minutos antes de entrar ao serviço. Vou sempre à larga. Sou pontual.

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    4. Sabes, aqui há uns tempos tinha um gajo ao meu lado a ouvir kizomba no telecoiso...
      ...sem fones! Assim encostado à orelha, como os velhotes que iam a ouvir os relatos de futebol...
      Normalmente só encolho os ombros, porque a coisa passa em 2 minutos.
      E depois o metro parou, nos anjos, e por lá ficou!
      Ao fim de uns minutos de tortura pedi-lhe, delicadamente até, que parasse de me incomodar com aquela mer... coisa a que alguns teimam chamar de música. A resposta dele, que foi óbvia e correcta, é que isto é um pais livre e se eu estava mal que me mudasse!
      Eu vi a razão do que ele me afirmou e não o incomodei mais. Saquei do meu telemóvel e pus a tocar o "Down with the system" dos Disturbed.
      Ele olhou para mim, algo incomodado, se queres que te diga, nem sei bem com o quê...
      ...eu disse-lhe que isto é um pais livre e que se ele estava mal...
      Ele mudou-se!
      Eu parei a música e a paz voltou!

      :)

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  2. Cenas que me desassossegam neste teu post e que gostava de ver clarificadas, se não te importasses:

    i) "10 minutes, tuenti, e seguimos" Tu achas que isto é forma de se te dirigires aos senhores turistas que ainda são os únicos a dar alguma coisa por este país? Não havia aí uma frase melhor?
    ii) Como é que não arranjas explicação pra os gestos do primeiro a abandonar o navio? O do banho e tal?
    iii) "Diga lá." pá... sinceramente, que maneiras!
    iv) "espreitando de quando em vez a minha imagem refletida no vidro" acho que podias ter explorado um pouco mais esta parte do texto.
    v) O Bruno de Carvalho tem uma voz tesuda e que me lembre nunca ouvi voz tesuda no metro. Ou não ando há muito de metro ou então estavas a dormir.

    Por agora acho que é só.

    talvez volte.

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    1. i)Vou já matar-te: Portugal tem a receber 2,3 mil milhões de euros da Alemanha por indemnizações da I Guerra Mundial. Achas que nos fazem favores? Têm muito que penar até pagarem tudo o que devem.
      ii)Achas normal caralhadas na linha do Metro? Desculpa lá Fi, mas acho super demódé. Somos da CEE ou não? Ahh bom.
      iii) Pois foi, tens razão nete ponto. Você é estrebaria. Estava distraída e sem máscara. A ver se me comporto das próximas vezes. Talvez apanhe um Uber.
      iv) parece que adivinhas os meus pensamentos. Estive mesmo para fazer ali uma dança e tal, mas depois as pessoas saiam todas com medo, e a história não se fazia como eu tinha planeado, que era mandá-los todos para a linha.
      v) Voz tesuda????? hahahahahahahahaha tem voz de robot à rasca para cagar.

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    2. Esta tua atitude não te leva a lado nenhum.
      Se não aceitas uma simplea crítica (ou algumas) mais vale fechares isto e ires pedir para o metro.

      (Chamar a guerra mundial para a conversa? Por algum motivo as criaturas se viraram para ti.
      Agora pensa)

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    3. C-R-Í-T-I-C-A-S????? Arrisca-te e mais nenhum comentário teu verá JAMAIS a luz do dia!

      Pedir no Metro a quem? Os donos do Metro são gringos pá, não percebem os nossos pedidos.

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  3. Gostei muito, principalmente do final, lembrou-me o estilo dos romances de Boris Vian!

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    1. Fiquei sem tempo para escrever, apareceu-me aqui um senhor à porta, cheio de urgências, e resolvi atirá-los a todos para a linha.
      Simples e rápido.

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  4. A despropósito: dei com isto no DER TERRORIST e lembrei-me de Uva Passa:

    http://www.designfaves.com/2016/03/the-impact-of-a-single-book

    Clica, acho que vais gostar.


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    1. Tinha de ser do Kafka. Queres perceber Kafka lê o Kundera na 'Arte do Romance'. Brutal.
      Era post para Uva. Fica na retina.
      Superlativo.

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  5. Sempre gostei de usar transportes públicos, exactamente para estudar as pessoas.

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    1. As pessoas são coisas lindas de se estudar. Especialmente nos transportes públicos. Ando contentíssima com o meu regresso à linha.

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  6. Tenho uma colecção.
    A última foi uma mulher que gritava com o filho, via telefone, dizendo-lhe que não podia ir de mota com ele porque estava de saia e carregada de sacos de compras. Isto durante um bom tempo, com uma atitude tão dramática que eu só penava "realmente o filho não compreende a mãe, coitada". Quando ela desligou o telefone, dei uma olhadela à mulher. Nem saia, nem sacos de compras.

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  7. Já não trabalho em Lx há coisa de 4 dias e tenho a dizer que é uma paz de alma. O Metro dava-me conta da cabeça. Demasiada gente. Demasiada confusão. Demasiados problemas na linha... enfim. Agora vivo e trabalho numa zona saloia e é bué de fixe. O máximo de neura que apanho é quando um trator não me deixa passar eheheh.

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  8. 4 dias... 4 anos. Já tava um bocado com sono quando comentei xD

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  9. voz off.
    Sim, o metro é excelente para observar.
    É o que eu faço, mas entre mais umas quantas paragens e parando em Entre Campos.

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  10. Acho ficaste com pena de não te juntares aos miúdos. :)

    Beijocas, Uvinha :)

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