17 de janeiro de 2018

DA EXPOSIÇÃO [dos filhos nos blogs]

Todos os crimes têm uma moldura penal.
Se for cometido um crime de homicídio, por exemplo, ele pode ser punido como homicídio simples, culposo, qualificado ou privilegiado, de acordo com o modus operandi do criminoso e com as suas intenções. Mas o homicídio também pode ser um aborto, a eutanásia ou uma legítima defesa.
Apesar de em todos eles haver sempre um alegado criminoso, o que mata, estas últimas espécies de homicídio, como a eutanásia, são tratadas diferentemente pela sociedade, e julgo, e espero, que a maioria dos leitores saberá porquê.

Quando uma mãe decide iniciar um blog-negócio tendo por base a exposição e a devassa da sua vida privada e a dos seus filhos menores, como por exemplo, mostrar as crianças a tomar um bom banhinho, a saltitar em bonitos biquínis numa praia paradisíaca, a mostrar os novos óculos da mais nova que [maçada] é míope, as notas do filho do meio que apesar de ser muito lindo tem também [que maçada]  dislexia ou autismo, que as meninas ainda usam as fraldas, apesar de terem 5 anos [que maçada], mas são fraldas maravilhosas e elas sentem-se super limpas, e toda uma série de coisas que são efetivamente da vida privada dessas crianças e, que por isso mesmo, não podem ser expostas em blogs, ela não deixa de ser uma criminosa, não deixa de ser culpada pelo crime de usurpação da privacidade dos filhos, muito embora a moldura penal dela possa ser atenuada, socialmente falando.

É curioso verificar a forma diversa e [para mim] inocente até, como são atribuídas pela opinião pública as 'molduras penais' para os casos das blogers-negócio que vivem da exposição familiar.
Há-as de vários tipos, estamos todos de acordo, mas a opinião generalizada é que umas são mais culpadas que outras, porque [e pasme-se] algumas fazem menos que outras, algumas só postam de dois em dois dias, outras só mostram as crianças vestidas, outras ainda só contam os episódios da vida privada, e outras ainda porque são simpáticas e 'nós até gostamos de lá ir espreitar ideias para roupinhas para casamentos em dezembro'.

Errado.
São todas criminosas e são todas culpadas. Todas elas ganham dinheiro expondo a vida privada dos filhos como se eles fossem objectos numa montra global.
O crime de que são acusadas não beneficia de um modus operandi mais ou menos gravoso que lhes possa diminuir a pena. Neste crime não existe menos exposição ou mais exposição, existe exposição ponto final.
A exposição e a devassa da privacidade de uma criança não é por exemplo um caso de legítima defesa, mesmo que a mãe seja uma perfeita deficiente mental, não consiga bastar-se economicamente sozinha, e que por isso 'defenda' os filhos usando-os.
Nesse caso seria o mesmo que usar os filhos para se proteger de uma bala.
Não faz sentido.

Assim sendo, além de não entender com que propriedade podem algumas pessoas defender uma acusação de menor moldura penal para estes casos gritantes de mães-vampiro, também não consigo entender o porquê da PJ, das CPCJ e outras entidades deste tipo não colarem imediatamente estes casos ao programa da SIC, quando um grande número de blogers deste universo já foi à televisão e até às tribunas do Parlamento Europeu.

É só isto que me faz confusão.
E cada vez acredito menos na justiça divina.

4 comentários:

  1. Azar
    Não sei de que estás a falar...
    Se há blogues assim
    é novidade para mim

    ...julgava que práticas tais
    estariam confinadas
    à redes sociais...

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  2. Espera lá. Calma. Stop.
    Misturaste aqui alguns conceitos imiscíveis.

    Como muito bem dizes no início, a cada crime cabe uma moldura. A moldura é aquilo que o legislador entende por balizas quanto à pena. (De tantos a tantos anos de prisão efectiva, por exemplo.) Como sabes, não há crime sem lei prévia. O Direito Penal é muito estanque. Não há sequer interpretação extensiva das leis. Ou seja, também não há crime sem lei estricta.
    Quanto ao homicídio, faltou-te referir o homicídio involuntário, crime no qual incorrem e são muitas vezes julgados os condutores, cidadãos comuns, envolvidos activamente em acidentes em que haja como resultado da sua actuação a morte de alguém. Pode acontecer a qualquer um.
    E não, o aborto não é, à luz da lei portuguesa, um crime de homicídio, ou sequer um crime. Só o é se for praticado fora dos hospitais, mas é quem o pratica sobre outrem, e não a grávida, que pode ser responsabilizado criminalmente. Já a eutanásia, continua por legislar, e eventualmente continuará até que haja coragem política para lhe pegar. Eu confesso que não a teria. Mas também me parece que ninguém tem dúvidas de que, por enquanto, a sua prática se mantém no enquadramento do crime de homicídio.
    Mas, lá está: se, como dizes, e tão correctamente, que a cada crime corresponde uma moldura, também não podes dizer, umas linhas abaixo, que as mães que expõem os seus filhos na blogosfera são criminosas, cometem um crime e são culpadas. E ainda que “o crime de que são acusadas”. Repara que a tal acusação de crime parte da vox populi, não há nenhuma queixa formal, não há inquérito a correr, não há pronúncia de espécie nenhuma. Não há um enquadramento rigoroso para aquela actuação. Quanto muito, caberia nos moldes do crime de devassa da vida privada, mas quando praticado pelos próprios pais, responsáveis legais pelo menor, de cujo consentimento depende quase toda a actuação dos mesmos, a quem cabe a denúncia?

    Sabes, a mim já não me revolta que existam situações como a que descreves. No limite, quem vai pagar a factura (se a houver) disso, são os próprios pais. E, sinceramente, entre vestir uma menina de laços e fotografá-la para o mundo e meter uma bebé de meses numa banheira de água a ferver, faz com que eu prefira um mundo em que só existam Carlotas, que provavelmente serão bastante acarinhadas, que é o que o está à vista, pelo cuidado que apresentam, que acontece.

    (Desculpa o testamento, mas tu dás-me pica, pá. Aparece mais, vá lá!)
    (Cá abracinho.)

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    1. Senhora Dra. Menina Azul,
      Venho por este meio informar que: sim senhora, aprovo o seu esmerado e muito lúcido comentário e, folgo em saber, que ainda está aí para as curvas no que ao direito diz respeito. 
      Posto isto venho exercer o meu direito de resposta. Réplica?

      Não sou causídica, como sabes, e nem um Tribunal de verdade. Sou um Tribunal-do-sentimento (como na música), sou um Tribunal Social, e foi a essa luz que vim aqui condenar os atos criminosos dessas progenitoras.
      Digo outra vez: criminosos.
      Obviamente que nenhuma delas foi condenada ou acusada de qualquer crime, como dizes e bem, mas acaso fossem, como acredito que serão, então temos ‘crime’ com todas as letras e na verdadeira acessão da palavra.
      Eu, em nome de um Tribunal que vive na minha cabeça, e na tua, um Tribunal que faz julgamentos a toda a hora como se fosse um Tribunal de verdade, condeno-as por um crime que considero que cometem.
      Crime de violação dos direitos das crianças.
      By the way, à luz dos acórdãos relativos, por exemplo, à publicação de fotografias no facebook pelos progenitores (e que têm custado muitas guardas ao poder paternal), deve ser uma questão de lana caprina conseguir alguma coisa nesse sentido.
      O homicídio involuntário não entrou na lista porquê? Boa pergunta. Julgo que foi porque estava a escrever e a tentar encontrar uma maneira de ligar os exemplos ao tema, e como as mães expõem voluntariamente os filhos, não fiz a associação com esse tipo de homicídio porque depois não ia precisar de o ligar a nada.
      Sobre o aborto. Vê lá se no número 3º do Art.º 140 do Código Penal, o aborto não é considerado crime contra a vida intrauterina, e punível até 3 anos de prisão. Estou a ver na net, mas posso dar uma vista de olhos no LEGIX para confirmar. No Artº 142 vem então a questão da IVG não punível, mas isso cai fora do crime. Portanto é crime mas não é homicídio, dizes tu. Acho que não é linear.
      Poderá não ser considerado homicídio à luz de [algum] direito, porque um feto não é ou pode não ser considerado uma ‘pessoa’, mas se o juiz for religioso (e estúpido) é bem capaz de definir feto como pessoa e aplicar a moldura penal de infanticídio. Ele há juízes completamente loucos, como sabes.
      Por último quero mesmo deixar claro que para mim, caso fosse MP iria acusá-las de crime.
      É óbvio que o texto do blog fica todo na esfera do suponhamos, da vox populi, que no fundo é também a nossa.

      (Estou tão sem tempo, e tenho tanta pena. Gostava mesmo de esmiuçar isto melhor para conseguir – pelo menos- acompanhar o teu superlativo raciocínio e a tua - cada dia melhor - escrita)

      Abraços
      (Adoro testamentos, salvo seja)

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    2. Sim, tens razão. Ignorância minha, quanto ao aborto. Com a legalização, entendi que o crime havia desaparecido, e não desapareceu. Ou melhor, não saiu da letra da lei, pois a verdade é que não ouvimos falar de nenhuma mulher presa por ter abortado desde a legalização.
      (Como vês, a ferrugem já cá anda a fazer estragos!)
      Sim, digo que é crime, mas não é homicídio. Também o furto é uma coisa, não sendo outra. Além disso, a natureza jurídica do feto, assim como a do cadáver, não estão definidas como "pessoa". A doutrina e a jurisprudência dividem-se tanto, nenhuma das duas pode ultrapassar a lei, e não é um juiz religioso (ou estúpido) que pode fazer a diferença. Acórdãos estrambólicos, ilegais, inconstitucionais, são mato, o que não faz deles lei absoluta, como também sabes.
      Atenção que, com isto, não estou a tomar uma posição contra ou a favor do aborto. Eu costumo dizer que, quanto a isso, mantenho uma neutralidade colaborante: aborto para as outras, sim, se quiserem; aborto para mim, não, muito obrigada. Não se trata sequer de uma convicção religiosa, tem a ver com um uma cena minha (já passei por um, sem ter feito nada por isso, e é não).

      A sério que acho que não há actuação criminosa por parte daquelas mães. Não há dolo, não há intenção. Mas também posso estar a aligeirar um assunto que poderá ter consequências nefastas na formação daquelas crianças enquanto pessoas. Enfim, quem sou eu para julgar, a não ser uma vox no meio do populi? Só consigo proferir julgamentos quando as actuações são claramente criminosas (caso do outro exemplo que dei), mas não nestes assim. Nunca dei para juiz, eu :)

      Olha, e obrigada. Exagerada.

      Abraços grandes, em xi

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