29 de setembro de 2015

"Escrever num blog é, tem que ser, um tremendo exercício de liberdade."

Se me perguntarem qual é o dia que retenho com mais simpatia nisto dos blogs, posso dizer sem sombra de dúvida que foi o dia em que todos mostraram, sem medos, os seus sapatos.
Nesse dia calçava naturalmente os meus mocassins de homem, uma imagem de marca muito minha - porque os uso exatamente como os usava o Michael Jackson, com calça à meia canela, com ou sem peúga, não granjeando (por isso?) a simpatia do formal (antiquado?) Rule of Law.
É um certo stand up que faço questão de impor aos cenhos franzidos de alguns, e ao riso trocista de outros.
Exerço no entanto a liberdade de os usar sempre que quero, gosto imenso deles, e não sobreponho o meu gosto por sapatos de homem, que compro amiúde, às senhoras que só usam o salto alto agulha.
Não me sinto posta de parte por usar sapatos de homem, apesar de ver os olhares sinistros na direção dos meus pés, mas compreendo que na apresentação de um  novo cliente devo usar, como todos, uns sapatos que não me inferiorizem e não os inferiorize também a eles.
É o dress code. Sem tirar nem por.
Não está no Regulamento Interno do Rule of Law, mas está no bom senso das cabeças em geral.

Entretanto, e derivado de estar apaixonada pelas bicicletas e disso me fazer feliz, estou com pouco tempo para me abotoar aos meus problemas existenciais, que granjeiam, já se sabe, um maior número de compadecidos, porque todos os temos [os problemas], e é reconfortante saber que não estamos sozinhos quando algum mal nos apoquenta, e por outro lado, estou também com pouco tempo para dançar com a blogosfera, que segue o seu bailado próprio, e eu às vezes não tenho, lá está, os sapatos adequados à dança. Mas não deixo de ouvir a musica que me chega da vizinhança, e às vezes, por a música não ser música para os meus ouvidos, gosto de, sem grandes alaridos, sem magoar ninguém (que isto não são só blogs) exercer a minha liberdade para opinar sobre a opinião um vizinho.

Foi o caso.

A frase que encabeça o post de hoje não é minha.
Nem poderia ser.
Não acredito na Liberdade, nem imagino o que seria da blogosfera, ou das relações sociais em geral, se todos os que nela escrevem fizessem esse tremendo exercício de liberdade.
Seria talvez apoteótico, e nesse caso desinteressante, anárquico, malcriado, e possidónio.
Em primeira instância, para provar que isto de sermos tremendamente livres nos nossos blogs é utópico, começo logo por afirmar que uma pessoa que escreve num blog público, dá-se ao outro, mostra-se ao outro, mas com reservas; explana de forma mais ou menos verídica aquilo que pensa de si e dos outros, daquilo que faz, mas em todos os casos fá-lo de forma filtrada.
Até a mentira se encontra filtrada, para que quando desagua no texto não seja absolutamente ridícula.
Escrever num blog é e tem de ser exatamente o quê?
É e tem de ser um exercício? É e tem de ser tremendo? É e tem de ser absolutamente real?
Nada mais falso.
Um blog é e tem de ser somente aquilo que eu quero que ele seja. No meu caso um delírio, no caso de outros um desvario, e de alguns, poesia.
Mas deve ser coerente, e não andar a patinhar a casa com os sapatos sujos de opiniões que tanto pendem para a direita como, de repente, pendem para esquerda.
Vejamos o que nos diz a certa altura o autor do texto:
 A ideia-chave é exactamente essa: as pessoas não têm obrigação de ser simpáticas connosco. Têm, isso sim, o dever de ser cordiais.

Mas então se há um dever de cordialidade, onde fica o tremendo exercício de liberdade? 
Não fico tolhida pelo dress code da cordialidade? 
Que liberdade é essa que me impede de arrancar definitivamente um blog da minha vizinhança?
Não faz isto lembrar aquela anedota do pai que diz ao filho: podes ser tudo o que quiseres, desde que sejas médico!
Sou livre, devo ser tremendamente livre, mas tenho de ser cordial para não irromper pela liberdade dos outros?
Não é justamente a propósito do despropósito de certos bloggers que se zangam as comadres?
Despropósito, vulgo, liberdades, bem entendido.

O que foi aquilo?

É que escrever num blog, é além de tudo um exercício de self control.
O tremendo exercício é precisamente o contrário ao exercício da liberdade que o autor defende, porque é um exercício de ponderar e aceitar que as opiniões divergem, e que mesmo num dia mau, daqueles dias que nos apetece dizer 'que coisa parva que escreveste hoje' há que clicar e sair dali o mais rápido possível para não haver problemas de maior, onde todos saem magoados.
Eu sei que haverá pessoas que discordarão do meu parecer, que devemos dizer tudo como os malucos e que todos temos o direito de ser loucos no matter what.
Sim, loucos... mas nesse caso nem todos têm o direito (ou querem) ser livres.
Por isso somos todos diferentes.
Por isto somos tão iguais. 

12 comentários:

  1. Sinto-me livre quando escrevo no blogue e a isso chamo liberdade. Para dizer o que quero. Para escolher o que me apetece.
    Do mesmo modo, quando visito (e comento) outros blogues, sinto-me livre para comentar como acho correcto da minha parte.
    Em qualquer dos casos, um denominador comum: o respeito. A tal coisa que tem que ser mútua.
    'Grosso modo' é isto.
    Boa semana, Uva.

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    1. Boa semana Observador.
      Devemos ser livres no pensamento, que é afinal a única liberdade que temos.

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  2. Estava aqui a preparar-me para o almoço e calhou dar uma vista de olhos pelo mundo dos blogues, não fosse haver tormenta que carecesse da minha atenção. E li o que escreveu, Uva. O meu conceito de "tremenda liberdade" (acredito que coincide com o seu) não desagua no caos nem na anarquia. "Tremenda liberdade" é bastante mais complexo do que cada um faz o que lhe dá na real gana. Mas, apesar de manter um blog que não é lugar de desabafo de coisas cá minhas, acaba por ter alguma coisa dos meus dias, seja o livro que estou a ler, seja o estado de espírito menos filtrado que faz com que receba correio electrónico a notar que não estou nos meus dias. E muitas vezes não estou mesmo nos meus dias, confere.

    Ainda assim, acredito que liberdade e cordialidade vivem bem juntas. No post que a Uva refere tive a liberdade de opinar sobre o que escreveu uma blogger (que é das melhores que por cá andam) e, ao mesmo tempo, fui livre ao ponto de escolher publicar alguns comentários e livre e cordial ao escolher não publicar outros comentários de réplica e tréplica. A "tremenda liberdade" de arbitrar foi minha, a gestão da caixa de comentários, mantendo-a num nível aceitável de cordialidade foi também minha.

    Controlar as emoções ou ajustar o que dizemos às circunstâncias é sermos livres ao ponto de podermos escolher a gentileza ao desvario do sem-filtro.

    (hoje seria irrepetível o post dos sapatos, creio que eram essas as brumas a que a Palmier se referia)

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  3. Aqui há uns tempos (quase 20 anos) um professor disse-nos numa aula, que "a nossa (minha) liberdade termina onde a do outro começa"... nunca mais me esqueci disso.

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  4. Sabes o que eu acho, minha Uva? Para a dança (para os blogues e para a vida) os sapatos adequados são aqueles que nos servem na exacta medida, não interessando assim tanto questões como a cor e o formato... Deverão então os sapatos estar ajustados com precisão nanométrica e depois, enfim, cada um com os seus.

    (E agora lembrei-me da história do homem que calçando 38, usava sapatos 42 para parecer maior à vista dos demais... O que é que os demais viam? Um homem a tropeçar nos próprios pés. Simplesmente.)

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    1. Também acho isso. Acho mesmo que o mais difícil é perceber em que sapatos dançam os outros, que carências têm eles, como nos safaríamos nós se nos tivessem calhado a nós, porque se juntam a certas danças e porque escolhem certos pares.
      Isso é que é difícil de perceber. E não é para todos.

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    2. Isso. Dos meus pés sei (só) eu.

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    3. Ó Nê isso da história do homem que calçando 38, usava sapatos 42, trouxe-me à memória o anhuca dos circos da minha infância!
      Para os mais novos que talvez não saibam o que é/era um anhuca eu explico; era em regra uma criaturazinha assim para o enfezado, vestido com umas roupas vários tamanhos acima do seu, tal como os sapatos que usava, e que se esforçava por demais para estar à altura do Palhaço Rico.
      Este anhuca, tropeçando nos seus próprios pés, fazendo olhinhos a quem assistia nas primeiras filas da plateia e ousando mesmo tentar sentar-se no colo de alguma dama desprevenida. Lembro-me como se fosse hoje que enquanto a triste figura que fazia o anhuca provocava no geral gargalhadas delirantes de tão ridículo que era, eu me encolhia no meu lugar transida de vergonha (que agora se diz alheia) e cheia de pena de tão patética figura.

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  5. Eu, só por acaso, acho uma piada grande a isso de apregoar a liberdade de escrever. E escrevo, é claro que escrevo. Há uns tempos li uma crónica sobre o atentado em Paris, salvo erro no NYT, dizia o cronista qualquer coisa como "aquilo que dizemos é tão mais importante ser dito, quanto a insistência dos outros em nos calar".
    E, minha querida Uva, as pessoas não têm obrigação de ser simpáticas ou cordiais, cujo significado é até bastante próximo. As pessoas têm apenas a obrigação de não serem mal educadas e deveriam ter o bom senso de não serem ostensivamente desagradáveis. Mas isso é tremendamente subjectivo, aquilo que é de mau gosto para mim pode não o ser para outrem. E já se sabe, nós tendemos sempre a ser mais benevolentes para com os nossos próprios erros que com para os do próximo...
    (nunca me dei muito bem com o cinismo e isto de apregoar a cordialidade enquanto se manda umas farpas valentes tem muito que se lhe diga, cá para mim é coisa de gente com problemas de ego, diz que a psicologia explica mas eu também não sou grande fã de psicólogos, obviamente que o problema é meu)

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    1. Não somos livres para nada, basicamente. O efémero da liberdade é como o aroma de uma flor. Termina quase sempre na melancolia.

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    2. Temos sempre a liberdade da escolha. Essa ninguém nos tira por mais que a possam tentar influenciar.

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  6. Ninguém consegue definir muito concretamente o que é isso da liberdade. E partilho da tua opinião de que ninguém é totalmente livre.
    Quando leio, não me interessa se aquilo que está a ser escrito entra ou não em parâmetros racionais do aceitável, mas sei muito bem o que sinto ao ler e confio nesse radar que me dá indicações sobre o que já ultrapassa tudo e mais alguma coisa. Claro que isto não é palpável e é relativo de pessoa para pessoa, de acordo com os valores de cada um, mas não é assim tãaaao relativo como se quer fazer crer. E muito menos ingénuo.
    Escrever num blog é sobretudo um tremendo exercício de auto-revelação, mesmo quando se opta por não escrever absolutamente nada de concreto sobre a vida privada. Não são só blogs, são pessoas e uma amostra da forma como estas funcionam e se relacionam, que acaba por reactivar algo em quem os lê pelas suas próprias vivências e por aquilo que se identificam ou não. Daí suscitarem tantos ânimos exaltados. Escrever e ler (portanto, de ambos os lados) tem muito mais de emocional do que aquilo que se quer fazer crer e não acredito naquela coisa de "o que sou aqui não é o que sou fora daqui, é apenas uma faceta, uma personagem". Até as personagens que escolhemos não são aleatórias. Até nisso não somos livres e estamos a obedecer ao que somos.
    Quem escreve acaba sempre por denunciar de certa forma o que o move em seguir um determinado padrão de escrita. Mesmo quem só escreve sobre os outros, e está no seu direito como quem não o faz, está essencialmente a escrever sobre si. Ninguém despende energia em vão, todos o fazemos conforme o que buscamos e precisamos. E se há quem precise mais de encontrar compreensão ou partilhar reflexões, há quem simplesmente tenha maior necessidade de apontar falhas, incoerências ou até agredir. Podem até fazê-lo de forma inteligente ou brilhante, parecendo que é mera astúcia, assim como pode ter como alvo pessoas que não inspiram qualquer empatia, mas quando é algo mais frequente é essa essência de quem escreve que acaba por ser captada nas entrelinhas e que tanto pode causar admiração como repulsa, consoante as próprias necessidades de quem lê, mais do que conceitos racionais sobre liberdade. Por isso é que nestas coisas não é tanto "quem é que tem razão" mas o que é que aquela pessoa me transmite quando emite certas opiniões ou quando o faz de determinada maneira. E se é algo que "não me cai bem", que mesmo não tendo a ver comigo incomoda-me e não quero fazer parte, retiro-me, simples. Ao menos essa liberdade temos :)

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