31 de outubro de 2016

Para me redimir daquilo lá do Pipoco

Porque resolvi publicitar hoje um livro que foi escrito por uma jornalista (e eu até percebo que muitas das 'bloggers' que hoje conhecemos são jornalista, e que isso pode estar a inquinar a opinião do Pipoco), resolvi falar aqui de um livro escrito por um Homem que não era jornalista. Foi um cientista e biólogo, um filósofo estudioso do comportamento animal e humano, um grande cirurgião, e foi também ele que introduziu em 1952 a clorpromazina, o primeiro neuroléptico usado no tratamento da esquizofrenia.
Não se ficando por aqui, foi o primeiro a escrever sobre os malfadados radicais livres, muito antes das bloggers do detox, e, cereja em cima do bolo, não recebeu nenhum dos Nobel da Academia.

O livro chama-se "O Elogio Da Fuga" e quem o escreveu foi o iluminado Henri Laborit.

Mas onde quero eu chegar?
Quero dizer (muito inquinada pela opinião de Laborit) que chegámos a um ponto tal que tudo o que fazemos para os outros, ou tudo o que os outros fazem para nós, isto é, tudo o que os jornalistas escrevem, tudo o que os bloggers publicam, as televisões passam, os escritores escrevem, os realizadores realizam, é humanamente insuportável.
Já que ninguém suporta nada, já que ninguém admite mais nada, da pura critica maldosa ao elogio velado da critica construtiva, precisamos de fugir, agora mais do que nunca, uns dos outros.
Dizia-me um amigo próximo que apesar de ser do partido do Governo, era afinal oposição a este Governo. Quão estranho pode isto ser à luz da ideologia de um Homem? Um apoiante fervoroso das ideias que ele próprio gizou, e apoiou, é ao mesmo tempo contra tudo o que seja colocar em práticas essas ideias.
A reflexão de Pipoco sobre o seu éden pessoal, colide com o facto de ter um canal aberto à discussão e à comunicação. As reflexões, também as artísticas, dos outros que gravitam em nosso redor, colidem com as nossas próprias reflexões.
Daí que muitos dos que eram antes ambiciosos produtores e consumidores finais de blogs, livros, filmes e arte, se vejam inconformados e incapazes de se adaptar. E fogem. Uns para dentro de si, mudos e imutáveis, enlouquecendo e suicidando-se, e outros, para dentro do que os outros têm dentro de si.
A arte ou a loucura.

É engraçado que mesmo desdenhando de tudo o que achamos ser o 'Inferno dos Outros', as suas reflexões e opiniões, o seu modo de estar e de viver, nos aproximemos cada dia mais desse inferno.
O Pipoco é capaz de ter razão. Devíamos ser capazes de viver apenas no nosso éden pessoal... mas e os outros?

"En tiempos como estos, la fuga es el único medio para mantenerse vivo y continuar soñando." (“Éloge de la fuite”, 1976)

4 comentários:

  1. Então cara Uva?!

    Pode não ser assim tão sinistro, simples dialéctica.

    Aquilo que temos agora, há muito vaticinado mas indisponível até há alguns anos, é a multidão de vozes. Somos selectivos ou ficamos assoberbados.
    Talvez estejamos fisicamente mais afastados mas mais próximos no pensamento, na mítica noosfera.

    Se nos incomodam os insuportáveis telejornais, que o são, temos por outro lado os agregadores de notícias, organizações como o Project Syndicate, acesso a repositórios gratuitos de algumas das maiores obras da humanidade.

    O paraíso pessoal mais não é que a metáfora da preservação da nossa individualidade. Ou talvez a sua concretização.

    Nada disto obsta o quase imperativo de sermos seres sociais. De outro modo o nosso próprio paraíso não seria permeável. O meu é, garantidamente.

    Abraço, cara Uva.
    (Tens andado desiludida...)

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    1. Tenho andado a ler coisas complicadas. Gostei muito do post do Pipoco, porque foi um exercício de individualidade muito interessante. É a fuga dele. O meu elogio a quem se mantem íntegro numa altura em que impera a globalização de gostos e preferencias, merece a minha reflexão. Ando desiludida, mas não é por isso, é porque sou capaz de estar como aquele meu amigo ali do meio do texto.

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  2. Não estou segura de ter compreendido inteiramente o post. Creio que nenhuma outra época convidou tanto a uma existência no interior do éden pessoal de cada um. Não me parece necessariamente mau.

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    1. Exatamente. Não é nada mau, aliás, o livro no qual me baseei para escrever o post chama-se o 'Elogio' da fuga, isto é, temos mesmo que fugir uns sis outros para conseguirmos aguentar os outros. O éden pessoal de cada um é o que nos mantém inteiros. A fuga é um elogio.

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