Na
UpToLisbonKids de hoje.
Gostava de explicar isto
bem.
Tentarei ser clara na
minha pretensão.
A depressão é o excesso
de passado. A ansiedade é o excesso
de futuro. (Junia Bretas)
Na medida em que todos
temos um passado e imaginamos um futuro, a diferença entre ser depressivo e
ansioso reside no tempo que despendemos a pensar num ou noutro extremo.
Se pensamos muito no
passado somos depressivos, se pensamos muito no futuro, somos ansiosos.
As pessoas tendem a
acomodar-se num ou noutro extremo da vida.
Foi sempre assim.
Desengane-se aquele que
pensa que o desequilibro é coisa moderna, que só agora é que as pessoas pendem,
ora para um lado, ora para o outro - dependendo do estilo de vida e da fase da
vida -, enquanto antigamente todos caminhavam a par, muito centrados e muito
equilibrados, sem ansiedades ou depressões, sem stress, e sem analista.
Não é um problema das
novas sociedades, não chega sequer a ser um problema sociológico. É uma
fraqueza individual, antiquíssima.
A humanidade é
naturalmente depressiva ou ansiosa, desde sempre.
Eu não sou depressiva
porque me sobra tempo para depressões.
Eu não sou depressiva porque não tenho nada para fazer. Eu sou depressiva porque já fiz.
E também não sou
ansiosa porque sou insegura ou demasiado perfecionista, assoberbada,
hiperativa. Eu sou ansiosa porque ainda vou fazer e não sei como fazê-lo.
Há almas mais propensas
em acumular o lixo do passado, em revolver os restos nauseabundos deixados
pelos outros, e por si próprios, e que teimam em retificar e curar mentalmente algo
que já não podem alcançar.
Um bom exemplo para
esta tendência, para esta dependência do passado, é bem visível nas pessoas que
insistem em fotografar os momentos todos da vida. Mais tarde, inevitavelmente vão
perceber que as fotografias que tiraram impediram-nas de certa forma de viver o
momento, de saborear aquele prato, de sentir aquele beijo. Elas não querem beijar,
elas querem é fotografar maravilhosamente o beijo. E vão lançar-se e colar-se
ao passado fotográfico, substituindo memórias efetivas e reais por
momentos-em-clic, e vão ficar terrivelmente deprimidas de os terem apenas na
superficial retina e não na meninge. E ficarão ainda mais deprimidas porque
terão sempre a pulsão de ir ver as fotografias que tiraram, imensas, no
passado. E andam sistematicamente naquilo, depressivas, a perpetuar o que já
aconteceu e que na realidade não aconteceu nada.
Entendam que há
acontecimentos que devem ser esquecidos (para bem do presente) e há outros que
não foram sequer acontecimentos.
Se fosse saudável ao
ser humano registar e guardar para sempre todos os momentos da vida passada, a
memória fotográfica não seria considerada um distúrbio mental, e todos a
teríamos mais ou menos desenvolvida.
O mesmo para o passado.
É saudável reviver passagens do passado. É depressivo passar a vida nesse estado.
Outros há que preferem descerrar
o futuro, saber mais sobre o que aí vem. Não percebo claramente se é para se
prepararem melhor, se para se acomodarem melhor.
E vão aos magotes
consultar videntes, e bruxas, e fazem simpatias, e cosem a boca ao sapo, e
desejam mal aos outros para bem deles próprios, e fazem promessas e pagam
promessas, para no futuro, quem sabe - não acredito em bruxas mas... -, viverem
então muito bem com isso, com a falsa consciência que andam aí a fazer pela
vida.
Ah, afinal sempre vou comprar a casa nova. Está escrito nas cartas.
Deixa-me enfim descansar que o que é meu às minhas mãos chegará.
Há de ser tarde que a
casa chega.
Mas cedo virão as ansiedades porque para se ser remediadamente feliz no presente (não pedimos
mais que isso) é necessário lembrar como é que fizemos no passado, e se insistirmos em castelos de cartas, ideias sem
ação, vidência e expetativa celeste nada irá acontecer.
Nada se faz se não for
efetivamente feito.
É um cliché, mas a verdade é que a felicidade não é uma nuvem no ar que
apanhamos aos saltinhos. A felicidade é uma coisa que construímos desde o chão,
de joelhos e dores nas costas.
Então quer dizer que os
únicos culpados pelas nossas tristezas (ansiosas ou depressivas) são
precisamente aquelas que não conseguiremos, jamais, controlar?
Do que nos serve ficar
dias e dias a remoer no passado, ou dias e dias a conjeturar o futuro?
Não será então a cura
para tantos estados de tristeza o enaltecimento do presente? Da simples
avaliação do agora? O que tenho agora? O que faço agora? Quem sou eu neste
momento? Como reconstruir-me para que as minhas memórias do passado [as que
construo agora] não sejam de tal forma penosas que me levem, outra vez, para um
estado de depressão?
Tudo o que fazemos
agora fará parte do nosso passado. Convém fazer o melhor que podemos e sabemos
para evitar arrependimentos e falsos positivos para doença mental.
É preciso construir
muito bem o presente, que no futuro não será mais do que o passado, e é ao
passado que vamos buscar todas as nossas motivações.
Lamento muito que a
classe médica insista em embriagar o paciente depressivo e ansioso com drogas
fortíssimas e entorpecentes.
A droga vai adormecê-lo
e vai apagar-lhe o presente, que em última instância é a única coisa que tem de
melhor para consegui desligar-se do que já passou (e que é mau e deprime) e do
que ainda está para vir (que é possivelmente mau, o que me deixa ansioso), e
ainda o que lhe dá a motivação para o futuro.
Que futuro então, para
quem não tem senão uma ténue recordação do presente?
Que futuro para todos
nós, eternamente e geneticamente depressivos e ansiosos?
Não estaremos todos a
fraquejar? Não estaremos nós todos inundados de drogas que supostamente nos salvam do nosso passado e nos protegem
do nosso futuro, imaginariamente?
É que eu já não consigo
suportar mais o espetáculo da nossa fraqueza.
Porque eu consigo
entender D. Quixote sem conhecer a história de Espanha, no caso o seu imenso
passado, mas não conseguirei nunca entendê-lo se não lhe (re)conhecer as ideias
e as motivações que o fazem agir perante mim, agora, e assim esgrimir com o
futuro a lógica da Humanidade.
E a lógica é só uma.
Avançar.
Sem medo dos mortos e
sem medo dos que ainda estão por nascer.
Carpe Diem.
Trabalho (extraordinário) de fotografia de José Ð Almeida.